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A ilusão do desenvolvimento e as heranças malditas

O Brasil é um país rico em recursos naturais, deve explorá-los para promover o seu desenvolvimento e proporcionar a melhoria de vida da sua população.
Mas essa visão dá margem a equívocos e distorções que só causam prejuízos ao país e aos brasileiros.
A descoberta de jazidas minerais é logo vista como uma imensa riqueza, disponível, quando é apenas um potencial que, para se transformar em riqueza, requer antes muitos investimentos. 
Gera a ambição de oportunistas que montam complexas engenharias financeiras para a sua viabilização, nem sempre baseadas em premissas reais.
Pequenas e médias mineradoras - medidas na escala mundial - se lançaram em novos empreendimentos, inclusive no Brasil, mas já suspenderam os investimentos, após terem iniciadas algumas obras.
O resultado final é de devastação de áreas naturais e de obras abandonadas.

A descoberta de jazidas de minério de ferro na Bahia e no Rio Grande do Norte, são dois casos mais recentes da ilusão do "ouro de tolos". Com consequências desastrosas.

No Rio Grande do Norte, a Mahag controlada pela trading Noble Group, com sede em Cingapura, iniciou a mineração de ferro, mas já a desativou, diante da queda das cotações da commodity. A Noble lançou-se em outros investimentos no Brasil, na área dos grãos e do etanol,  acumulando grandes prejuizos. Recentemente vendeu parte dos seus negócios para a chinesa Cofco. 

Na Bahia, o interesse inicial foi de um grupo indiano (Zamin Ferrous), que vendeu o projeto de mineração para uma empresa do Cazaquistão (ENRC) Essa também suspendeu os investimentos diante da queda das cotações, das incertezas com relação ao escoamento e ao novo marco regulatório da mineração.

O mundo precisa do minério de ferro para produzir aço. "Mas Deus não colocou o minério em todos os lugares do mundo. Concentrou-os em alguns países, entre os quais o Brasil e a Austrália". Mas mesmo nesses países as jazidas ficam no interior do país e para chegar aos portos para serem exportados requerem um extenso sistema de transporte. Preferencialmente de ferrovias. E instalações portuárias para a transferência do minério para grandes graneleiros.

Os grandes volumes envolvidos tornam viáveis a instalação de sistemas de transportes exclusivos para o minério, assim como de instalações portuárias também exclusivas. Um caso concreto desse modelo de integração total é (ou era) o sistema produtivo da SAMARCO, que explorava minas em Mariana, Minas Gerais, transportava o minério através de um mineroduto, até Ubá, no Espírito Santo, onde além das instalações portuárias próprias estabeleceu uma indústria de pelotização. Com isso agrega maior custo e valor no minério exportado. Tudo isso está interrompido com a ruptura de uma das suas barragens de rejeitos, instalada junto à mina.

A Vale, quando ainda Cia. Vale do Rio Doce, sob controle estatal, implantou um mega sistema integrado para exploração das minas de ferro de Carajás, construindo uma estrada de ferro  de Carajás, no Pará, até o terminal de Ponta da Madeira, no Maranhão, onde faz o embarque do minério em direção à Ásia.

No geral, a mineradora privada quer cuidar apenas da mina e usar serviços de terceiros para o transporte interior (dentro do país) e para as operações portuárias. Isso lhe permite a exploração de minas com escala menor do que das mega minas, como as da Vale, no Pará.

Quando essa infraestrutura não existe, a alternativa é contar com novos investimentos públicos. Para isso a empresa mineradora acena os Governos e a sociedade local ou regional com os incomensuráveis benefícios da implantação do sistema produtivo-logístico, em termos de geração de renda, empregos e melhoria das condições de vida da população a ser alcançada pelo projeto. E os Governantes são seduzidos por essas perspectivas, que - em geral - embutem benefícios políticos e pessoais.

Esse "conto de fadas" foi contado aos Governantes Federal e Estadual, por grupos estrangeiros para a exploração de minas de ferro no interior da Bahia. Para que os Governos investissem numa ferrovia e numa área portuária. 

As parcerias foram mais amplas, envolvendo o interesse das grandes construtoras. O modelo envolvia o grupo interessado em explorar a mina, construtoras interessadas em construir a ferrovia e a infraestrutura portuária e a participação estatal, financiando os investimentos, através do BNDES e de verbas orçamentárias, sem retorno, para viabilizar a ferrovia. Tudo em nome do desenvolvimento econômico da região, do Estado e do país. 

Isso teria impactos ambientais. Mas eram considerados como custos, do ponto de vista econômico. E custos marginais, ou sejam, complementares. Os brasileiros e seu governantes sabem que não é bem assim. Mas não contam para os estrangeiros que pouco conhecem dos meandros do jogo brasileiro. 

Encantados com a possibilidade de implantar uma ferrovia cortando o estado da Bahia, de Leste a Oeste, o Governo estadual cedeu em apoiar a construção de um terminal privado na região de Ilheus e o Governo Federal a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), ligando esse porto à divisa do Estado, com Tocantins, onde está localizado um grande polo produtor de grãos e algodão. 

Embora do ponto de vista nacional a melhor alternativa de escoamento dos grãos da região de Barreiras/Luis Eduardo Magalhães, seja pelo norte, utilizando a ferrovia norte-sul, vendeu-se a idéia de que a produção baiana deveria sair pela própria Bahia. O bairrismo deu suporte ao sonho. 

A viabilidade econômica da ferrovia seria dada pelo transporte de minério explorada pela Bamin - Bahia Mineração, empreendimento de grupo do Casaquistão. O transporte do minério a partir da região de Caetité até Ilheus viabilizaria a ferrovia. E geraria a oportunidade para sua expansão até Figueirópolis, ligando à Ferrovia Norte-Sul.

O interesse era oportunista. O mercado siderúrgico e de minério de ferro estava altamente aquecido pela demanda chinesa, em franco processo de construção de uma economia moderna, com crescimentos anuais acima de 10%.

A demanda excepcional elevou substancialmente a cotação internacional do minério de ferro, que alcançou cotações superiores a US$ 100 p/t. Com a estabilização  do crescimento chinês, em torno de 7% ao ano, a indústria siderúrgica mundial está superdimensionada, a demanda de minério de ferro retraiu, as cotações caíram: para um patamar abaixo de US$ 50 p/t. Aproveitando a baixa, as empresas líderes do cartel internacional de minério de ferro, impulsionaram o preço para baixo. É uma estratégia usual dos cartéis para forçar a retirada dos concorrentes menos eficientes. 

A Vale, uma das líderes, se sustenta, com os seus custos baixos e logística própria. Disputa (ou distribui) o mercado mundial com a BHP e a Rio Tinto. As demais mineradoras não tem condições de se manter. A Bamin, na Bahia e a Mahag, no Rio Grande do Norte, já desistiram, interrompendo os investimentos. 

Mesmo com a retomada das compras chinesas, as cotações do minério de ferro não voltarão, de forma sustentada, aos patamares dos anos dourados. As minerações menores não retornarão às atividades, a menos da sua compra pelas líderes. A chinesa Cofco se interessou pela área de grãos da Noble, mas não pelo segmento da mineração.

A Vale controla a FCA, que passa próxima de Caetité. Teria uma alternativa logística, mas já foi consultada e não se mostrou interessada. Para ser rentável o custo precisa ficar em torno de US$ 34 p/t. no porto. Na mina precisa ficar em torno de US$ 10 p/t. Isso só é possível com minas com alto teor de ferro e explorado em grande escala.

Apesar da queda das cotações, a Vale continua investindo na mina S11D no Pará, para alcançar o custo médio da ordem de US$ 34 p/t, que é o patamar dos seus principais concorrentes.  Não se interessa por minas menores de elevado custo de extração, embora possa ser bem servida em termos logísticos. 

Ademais a Vale sofreu um grande baque com a ruptura de uma barragem de rejeitos, operado pela sua subsidiária SAMARCO, em Mariana, Minas Gerais.

Além do impacto emocional e das repercussões ambientais o desastre de Mariana, inviabiliza mais ainda a extração de minérios com baixo teor.

Os ditos rejeitos que são represados e escaparam chegando até o mar, são exatamente o material retirado da terra e das rochas que não é minério de ferro. Quanto maior o teor de ferro, menor o volume de rejeitos e vice versa.  A tragédia de Mariana, do ponto de vista econômico, encareceu o custo de gestão desses rejeitos. 

A conjugação desses fatores faz com que as minas de Caetité sejam economicamente inviáveis. A suposta riqueza ficará em estado bruto na natureza, para a satisfação dos ambientalistas e tristeza dos investidores, dos políticos e de parte da sociedade baiana.

A FIOL faz parte de um acalantado sonho de ligação Atlântico-Pacífico. Que poderá ocorrer algum dia, mas não a médio prazo. Há várias outras prioridades logísticas, dentro da malha ferroviária a ser desenvolvida no Brasil. Dada a carência de recursos públicos, depende de investimentos privados e esses só irão destinar recursos a empreendimentos com viabilidade econômica de curto e médio prazos. Não é o caso da FIOL.

O Porto Sul é um dos grandes sonhos do Governo da Bahia, para a sua redenção econômica. Mas o Governo estadual não tem recursos próprios para investir no empreendimento. Fica na dependência de atração de capitais privados, nacionais e estrangeiros. Os nacionais, com a crise, estão mais rigorosos na escolha dos investimentos e a FIOL não é uma das opções prioritárias.  

O Governo Estadual, na sua insistência em viabilizar o projeto, pretende levá-lo à China, dentro de uma visita que o Governador fará à China. Também para a China, a mineração de ferro não é prioridade a médio prazo. Eles adotam visões de longo prazo. Mas nessa visão o interesse é pela conexão oeste e não leste. Conexão Pacífico e não Atlântico. 

Dadas essas condições o sistema proposto FIOL- Porto Sul, não vai ocorrer. Mas com um grave risco. Ser iniciado, com algumas desapropriações, execução do canteiro de obras para depois ser abandonado. O interesse não é a sua concretização, mas gerar caixa para os partidos e políticos, pela contratação de obras públicas. A Operação Lava-Jato colocou a nú esse esquema o que inviabilizou ou dificultou a sua continuidade. Mas alguns interessados insistem em buscar fontes, tendo em vista 2018. "É ai que mora o perigo."

As comunidades da região de Ilhéus se mobilizaram contra a execução do Porto Sul. Em função dos impactos ambientais e sobre o turismo na região.

Nem o porto, nem a ferrovia vão ser efetivados, por não terem viabilidade econômica. Não vou discutir os eventuais impactos que a implantação e operação desse empreendimento poderia causar na região. Porque essa implantação não vai ocorrer.

Mas o risco para essas comunidades são as obras preliminares, que vão devastar áreas e depois serão abandonadas. E com um agravante social.

Na expectativa das obras e do emprego, muitos trabalhadores se instalam em áreas próximas, invadindo propriedade privadas e áreas de proteção ambiental. São os pré-desempregados.



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