Vocação natural ou construída? Um falso dilema

Retomando a conversa de ontem em função das circunstâncias atuais de crise da indústria brasileira e sustentação do agronegócio, apesar das adversidades climáticas, constato que o dilema histórico sobre agricultura x indústria, ou vocação econômica natural ou construída é falsa.

Esse dilema emergiu de uma falsa argumentação, ainda vigente sobre a diferença de valor por quilo de um produto agrícola e um produto industrial: o valor obtido por um quilo de soja é muito inferior ao de qualquer produto industrial. Dai se inferir que o país deveria se dedicar mais à industrialização do que à agricultura.

Existem dois equívocos em relação à essa visão: o primeiro que o fator mais importante não é o faturamento. Mas o lucro. O que gera o progresso de uma atividade econômica não é o faturamento bruto, mas o lucro, ou seja, o quanto ficou para o empreendedor depois dos custos?

Essa visão vale também para a macroeconomia. O indicador não é a soma de todos os faturamentos, mas a soma dos valores adicionados. O PIB é a soma de todos os valores adicionados.

A vocação natural é dada pela natureza. Como o homem aproveita essa vocação já seria uma vocação construída. Mas nos atendo às condições naturais a sua exploração transforma o ativo natural em capital monetário. A questão do desenvolvimento econômico está em como esse capital monetário é acumulado e aplicado.

Há uma questão adicional que trataremos em outro momento: a transformação do ativo natural em produto pode levar à sua extinção, prejudicando as condições de vida das futuras gerações e/ou transformando-o em passivo.

Uma primeira aplicação da renda gerada pela exploração do ativo natural e na própria atividade. O volume de renda gerada depende da aplicação de tecnologias e da escala de mercado, que se reflete na escala de produção.

De um lado a agricultura deve grandes revoluções industriais, algumas a par da industrial, outras próprias. A maquinização da agricultura é fruto das primeira e segunda revolução industrial, com o trator substituindo a força humana ou animal. Já a revolução verde só envolveu um segmento do desenvolvimento industrial. As sementes "construídas" e os agentes químicos nos defensivos e fertilizantes propiciaram os ganhos de produtividade. Não foi a linha de produção fordista. Há correspondência nos dois setores da Terceira Revolução, com a disseminação do uso da tecnologia da informação, nos processos produtivos. Mas o setor agrícola foi mais além do setor industrial no uso de um dos principais elementos da Quarta Revolução: o "big data". Uma das suas principais aplicações está na captação, armazenamento e tratamento dos dados sobre o clima.

Enquanto a agricultura se baseava em tecnologias elementares e voltada para a subsistência ou consumo local, era e continua pobre. Ela se enriquece pela escala de mercado. Se enriquece quando amplia o seu mercado para o mundo e aumenta a produção. E quando evolui com a tecnologia, aumentando a produtividade na produção e essa própria, reduzindo as perdas, com os defensivos.

O desenvolvimento macro depende de como o excedente econômico é aplicado além do reinvestimento na própria atividade.

São Paulo se desenvolveu (e "puxou" o desenvolvimento nacional) pela aplicação desse excedente na sua industrialização. Não era a vocação natural do Estado, mas ela foi construída e desenvolvida.

A disputa que começou nos anos quarenta, na realidade,  não foi sobre as vocações, influenciada pelas teorias econômicas de então. Foi uma disputa pela destinação dos excedentes gerados pela atividade agrícola, no caso do café.

Alguns países agrícolas não conseguiram sair da pobreza, porque os recursos foram desviados para o exterior. Não apenas pelos preços e dos valores adicionados. Mas pela própria exportação dos capitais. O símbolo desses desvios foram os "play-boys", herdeiros dos mineradores e dos donos das grandes "plantations".

O ciclo atual não tem as mesmas características do anterior.
Os volume e valores são imensamente maiores. E as possibilidades de aplicação também.

O papel das ferrovias não é mais o mesmo. Na fase anterior a mescla da ferrovia de carga e de passageiros promoveu a ocupação territorial e o desenvolvimento urbano.

As novas ferrovias voltadas para o agronegócio tem características similares às ferrovias para a mineração. São predominante ou exclusivamente para cargas, cruzam grandes vazios sem parada, e só tem impacto territorial nas pontas. Não há ocupação, tampouco desenvolvimento no entorno da sua linha. No caso do "Ferrogrão", que corta a floresta amazônica, nem deve.

O impacto macroeconômico estará na aplicação do capital gerado por esse sistema, que será altamente concentrador, com os principais ganhos apropriados pelos produtores e comercializadores.

Como essa aplicação não se dará em vocações naturais, as vocações construídas serão objeto de escolha.

Não deverá ser uma escolha estatal. Ficam dois caminhos para o setor privado: escolher por decisões individuais, cada qual com a sua visão particular de oportunidades e buscando o seu interesse, ou buscar caminhos mais coletivos, mais compartilhados.








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