Perdedores e vencedores

A decisão monocrática e liminar de Marco Aurélio Mello tinha um fundamento, que começa a ficar mais claro.
A decisão liminar é dada por apenas um Juiz quando o requerente alega perigo iminente cujos efeitos seriam irreparáveis se o ato questionado for efetivado. Segundo os termos jurídicos é o "periculum in mora, fumus boni juris".

Há indícios, pela fumaça, de um perigo iminente. Que precisa ser imediatamente suspenso.

Qual era o indício de perigo? Ou os perigos. Eram dois: o Senado já havia agendado para o dia 13 de dezembro a segunda votação da PEC 55, que já havia sido aprovada na primeira votação com 61 votos dos Senadores e com confrontos entre manifestantes e polícia fora do Congresso. Mas o segundo perigo para Marco Aurélio era muito maior. Renan estava ameaçando colocar em votação, em regime de urgência, o projeto de "abuso de autoridade". Periculum in mora in extremis. 

Para evitar que isso ocorresse, pois os prejuízos da sua aprovação poderiam ser irreversíveis, o Ministro aproveitou uma representação da Rede, para deferi-la, em sentença liminar: pela manutenção de Renan Calheiros, como Senador da República, eleito pelo povo alagoano, mas pelo afastamento da Presidência da Casa.

A sentença é genérica, dando margem a interpretações. A mídia influenciando a sociedade interpretou que Renan foi destituido imediatamente. O próprio Renan e a Mesa Diretora do Senado entenderam que deveriam proceder ao afastamento do Presidente. Mas deveriam aguardar o julgamento pelo pleno.

O resultado é que a votação passaria para o próximo ano, sem a Presidência de Renan no Senado.
A Teoria da Conspiração dirá que não foi acidental. Teria sido combinado com os partidos. Se o da Rede não fosse sorteado para Marco Aurélio, outros entrariam para tentar a sorte. Deu sorte na primeira ou para aproveitar a fila. 

Pelo que foi publicado pela mídia no final da semana, a teoria da conspiração dirá que houve um acordo entre Renan e Marco Aurélio para gerar uma crise institucional que levasse à aprovação da lei da anistia do Caixa Dois. O vazamento seletivo da delação Odebrecht mostra porque.

Mas voltando aos fatos.

O acordão feito foi em termos de prazo e não de conteúdo. Havia um razoável consenso entre os Ministros do STF que não caberia a interpretação radical, para afastar Renan da Presidência do Senado, a menos que ele estivesse atuando para obstruir as ações da Justiça, para o qual não havia evidências, isto é, o tal "fumus boni". 

A questão era o prazo, com o risco de que com o afastamento de Renan, o Senado em retaliação corporativa aprovasse em regime de urgência o projeto de lei de abuso de autoridade. 

Por isso se atuou no sentido do julgamento plenário o mais rápido possível, com - na prática - um revisor, contrapondo-se ao relator. O decano Celso de Melo. 

O STF julgou tecnicamente coerentemente com decisões anteriores, ainda que com interpretações diferentes. E não aprovou o afastamento de Renan Calheiros das suas funções de Presidente do Senado.

O Senado cumpriu a sua parte no suposto ou real "acordão". Retirou da pauta a aprovação do projeto de lei de abuso de autoridade. 

E o povo ficou sem entender, ficando apenas com o fumus boni. Uma fumaça mal cheirosa de suspeita de um acordo político para manter o "inimigo nº 1 do povo brasileiro", na Presidencia do Senado, ainda que, na prática, por apenas mais uma semana.

Remanesce o problema da suposta desobediência à Justiça. Para o público isso decorre da fuga de Renan do Oficial de Justiça para receber a citação. Isso não se caracteriza formalmente a desobediência. Mas pode ser alegado como real, na medida que se tornou um fato público, divulgado amplamente pela mídia.

Para que caracterizar a desobediência é preciso investigar se Renan Calheiros, nesse período, praticou algum ato como Presidente do Senado, se assinou algum ato, se presidiu alguma sessão. Se nada fez como ato formal ele teria se afastado - na prática. Até porque atos formais foram praticados, conduzidos pelo Vice-Presidente Jorge Viana. 

A presença dele no Senado não caracteriza desobediência pois a sentença liminar de Marco Aurélio, preserva a condição de Senador. Independentemente da discussão sobre a incompetência de um Ministro do Supremo na questão, explicitamente não afetou a ação de Renan como Senador. Portanto sem restrições de continuar frequentando o Senado. 

Todo o processo não tornou Renan um todo poderoso, um imperador, dono do Senado, dono do Brasil, como a mídia colocou, tentando aumentar a venda dos seus produtos.

Apenas mostrou que não se consegue derrubar facilmente um Presidente do Senado, por um "golpe", por mais mal visto que ele seja pelas ruas. 

As instituições foram salvas, mas arranhadas. 

Marco Aurélio continuará no STF, cada vez mais contestado pela maioria dos seus pares. Renan continuará Senador, mas não mais como Presidente. Não tem e não terá a força e poder que querem lhe imputar. Estará fora, como quer o povo nas ruas. 

Uma vez condenado em definitivo - em qualquer dos processos no STF - acabará cassado pelo Senado. O poder está nas mãos da Presidente Carmen Lúcia. Ela, sim mais poderosa que Renan, neste momento.

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