O que você compra?

O principal indicador da evolução econômica é o PIB, o produto interno bruto, que contempla uma equação, com igualdade entre os lados. Em um deles está a demanda ou o que a economia comprou durante o período considerado. É formada por três partes: o consumo familiar, ou seja, tudo o que pessoalmente compramos para usar ou consumir, no ano, o investimento que é o que compramos para ter ou construir um ativo, um patrimônio e o resultado das vendas (exportações) e compras (importações) no exterior. Desse lado é ainda incluída a conta de estoques para estabelecer a igualdade dos lados. Ou seja, o que foi produzido e não consumido ou investido no ano. Ou, ao contrário, o que foi consumido ou investido com os estoques anteriores.

Do outro lado, está tudo o que foi produzido no período considerado, desdobrado em   seis grandes setores: extração mineral, agropecuária, indústria, construção, comércio e serviços. Demonstrações mais compactas, reunem a construção dentro da indústria e juntam comércio e serviços num grande setor.

A avaliação da importância de cada setor é considerada pela evolução da participação relativa no PIB. A participação da indústria dentro do PIB vem decrescendo, ano a ano, e essa redução é caracterizada como "desindustrialização". 

Seria um indicador do enfraquecimento da economia e do risco de insustentabilidade do crescimento da economia. O Brasil teria crescido com base na indústria e a desindustrialização põe em risco esse crescimento. Ademais com a desindustrialização o Brasil ficaria dependente das commodities. Como essas tem instabilidade de cotações no mercado internacional, o Brasil se tornaria uma economia depedente das mais industrializadas.

São visões equivocadas pela leitura apressada dos dados estatísticos. Se fossemos fiar nessas veremos que o Brasil vem se desindustrializando, mas não se commoditizando. Os setores que ganham mais espaço dentro do PIB são o comércio e os serviços. O Brasil já é uma economia predominantemente terciária, como o são as principais economias desenvolvidas. Comércio e serviço se aproximam de 70% de  participação no PIB. 

É preciso analisar essa distribuição setorial, segundo outros ângulos. 
O comércio é um meio para compra de bens ou serviços. Na compra de bens, a predominância é de industrializados. Bens naturais, como os hortícolas, são comercializados em pequena escala.  Muitos são agregados por serviços de higienização, embalagem, etc. 

Portanto, a importância da indústria não pode ser medida apenas pelo valor agregado da produção na saída das fábricas, o que é considerado na contabilidade do PIB. A sua importância relativa está no seu consumo pelas famílias, seja viabilizado pelo comércio, sem nova transformação, como com a agregação de serviços. 

Dois exemplos podem ilustrar essa visão.

A carne bovina pode ser comprada pelo consumidor, in natura, ou transformada num bife, servido num restaurante ou num hamburguer, em cada de lanche. Há nesse caso uma transformação que pode ser industrializado ou não.

Anteriormente a predominância era da comercialização, in natura, através dos açougues que recebem peças inteiras dos frigioríficos e os revendem aos consumidores em peças selecionadas e cortadas. O açougue é uma agregação de comércio e serviços. O valor do boi entra na conta da agropecuária. O corte das peças em frigoríficos entra na conta da indústria. Mas quando açougue, principalmente nas cidades do interior, fazem a matança e o retalhamento do boi, para sua venda, pula-se o setor industrial. Todo valor agregado ao boi entra na conta do comércio, embora envolva serviços dos açougueiros.

O setor evoluiu para a industrialização do processamento das carnes, com os cortes já limpos, selecionados, empacotados e frigorificados para compra direta do consumidor nas gôndolas dos supermercados. Nas contas macroeconômicas, a atuação da Friboi e similares, aumenta o valor da indústria, em detrimento ao valor agregado dos serviços ou do próprio comércio. É um processo de reindustrialização.

A  BASF é a principal produtora de tintas para paredes, com a marcar Suvinil. Ela mudou a sua estratégia de comercialização para atender melhor os desejos do consumidor. 
O que o consumidor quer é um ambiente colorido, que lhe dê uma sensação agradável de estar nesse ambiente. Isso envolve a mistura de cores básicas e o serviço de pintura. Que pode ser pessoal ou feita pelo serviço profissional de pintores. 
Ou seja, o consumidor não compra galões de tinta, não consome o produto industrial como tal. Ele compra o produto industrial no comércio varejista - portanto com a agregação de valor do comércio - com serviços também agregados: o da consultoria e da mistura de cores, feitas com equipamentos e programas de alta tecnologia. E agrega os serviços de pintura. 
Esses serviços, quando profissionais, são incluidos na conta serviços, dentro do PIB. Contribui para aumentar a participação relativa dos serviços, mas não é independente. É uma associação entre a indústria e os serviços.

O setor do comércio é predominantemente de bens, sendo excepcional a venda de serviços pela rede de varejo. Ocorre, no entanto, a venda de produtos industrializados em unidades de serviços, como a venda de cosméticos e outros nos salões de beleza. 

Mas há os serviços realizados predominantemente pelas pessoas, pelo trabalhador, com a utilização de instrumentos industriais, como ferramentas de apoio. Podem ser serviços simples como o do jardineiro que atende domicílios, como complexos e de alta qualificação, como da fisioterapeuta ou do arquiteto.

Um grande campo aberto no setor de serviços decorre da expansão da tecnologia da informação. Esta requer uma grande base industrial de processadores de dados (ainda caracterizados como computadores) de alta capacidade e velociadade, mas a principal agregação de valor está nos softwares básicos, a partir dos quais são desenvolvidos os específicos. 

O consumidor ao final compra serviços simples. Como por exemplo, a compra domiciliar de ingresso para uma sessão de cinema ou teatro. É a compra de um produto de serviço, por meio de um serviço. Não envolve o setor de comércio. 

O serviço é simples para o consumidor. Mas envolve uma complexa cadeia produtiva. Por isso quando dá problema, a solução não é fácil. 

Os serviços são simples mas se multiplicam por multidões. Um determinado produto de serviço pode alcançar o mercado mundial e, com isso, faturar bilhões. 

Se o setor de serviços, como produção, corresponde a cerca de 50% do PIB, significa que, do outro lado, os consumidores (pessoais ou familiares) estão gastando mais com serviços do que com bens industriais. Mas nesses serviços há um grande componente de bens industriais. 

Há diversas questões adicionais a serem avaliadas a partir dessa visão de processo:
  1. o consumidor poderá comprar os serviços sem a existência dos bens industriais incorporados ou de apoio a esses?
  2. uma macroeconomia poderá se sustentar com base nos serviços?
São temas para próximos capítulos (oops) artigos.


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