A controvérsia da Lei Kandir

Os produtos agrícolas estão sujeitos ao ICMS estadual, mas as exportações de grãos estão isentos, em função de dispositivo constitucional, regulamentada por uma lei complementar, conhecida como Lei Kandir. Os Estados são compensados pela União dos recursos que deixa de arrecadar, com a isenção estabelecida pela lei federal.

Em função dessa lei o Brasil reduziu a exportação de farelo e óleo de soja, passando a se concentrar na exportação de grãos.

Esse é o resultado efetivo mostrado pelas estatísticas do comércio exterior. Mas esconde vários fatos e cria mitos.

Como temos colocado anteriormente, o Brasil não exporta. Quem exporta são as empresas exportadoras, sediadas ou não no Brasil, de bens ou serviços produzidos no Brasil. As estatísticas refletem apenas o conjunto das operações realizadas pelas empresas.

As empresas decidem em função das oportunidades de negócios e das rentabilidades esperadas.

A China teve um grande crescimento econômico a partir das  exportações de seus produtos industrializados inseridos nas cadeias produtivas globais, assim como as de consumo popular, com preços baixos. A partir dessa acumulação de capital promoveu a integração de uma bilionária população rural e semi-urbana ao meu mercado de consumo. Com isso passou a ter grande necessidade de importação de alimentos, para complementar a sua produção.

Um dos seus principais produtos é o óleo de soja, em função da sua tradição.  O feijão de soja é o feijão chinês. Que o Brasil capturou e transformou no seu principal produto de exportação.

A soja é a uma oleaginosa, não um cereal. O seu produto principal é o óleo, que representa apenas cerca de 20% do peso, muito menos que outras, como o da palma (dendê). Da extração do óleo, sobra um resíduos que é o farelo.

O óleo de palma domina o mercado de óleos vegetais, ficando o óleo de soja em segundo plano. 

A China tem interesse no óleo de soja, mas associado à produção do farelo, para uso nas rações de engorda dos suinos, dos quais a China é a maior produtora mundial. 

Dentro dessa perspectiva a China, ou melhor os importadores chineses, se interessaram pela importação da soja em grão, para produzir internamente o óleo de soja e o farelo.

Para as tradings a oportunidade era de imensas vendas de grãos. Não de óleo ou farelo. 

Com a Lei Kandir a exportação de grãos ficou mais rentável e impulsionou o aumento sucessivo de produção do feijão.

Sem a isenção do ICMS nas exportações de grãos as entidades representativas dos produtores avaliam que a produção não teria crescido tanto. E que se for estabelecida a tributação, com redução da rentabilidade dos produtores, haverá uma queda na produção. O que é provável.

Mas, dentro da lógica empresarial, se os chineses continuarem comprando a soja em grão, as tradings continuarão vendendo e os produtores produzindo. Mesmo com redução de margem de lucro. Buscarão outros meios para compensar as perdas. E essas estão na logística.

Com ou sem a Lei Kandir, os chineses não irão alterar o seu perfil de demanda. Não irão comprar mais óleo de soja, sem o farelo. Tampouco se interessarão em importar o farelo para os seus suínos, sem o óleo.

A idéia de que sem a lei Kandir, haverá uma automatica mudança no perfil de exportações do complexo soja, com o aumento do óleo e do farelo é um mito. 

Na realidade o que está em jogo é o interesse dos Governos Estaduais em aumentar a sua arrecadação tributária, com a cobrança do ICMS nas exportações de soja. Gerando o mito para justificar os seus pleitos.

A fase inicial do processamento industrial do grão de soja, com a separação do óleo de soja, inicialmente por esmagamento. Atualmente por processos químicos, embora mantido como "esmagamento".

O óleo bruto, assim como o farelo são produtos industriais semi-elaborados, gozando igualmente da isenção do ICMS nas suas exportações. O problema estaria nas compensações federais. 

Para mudar o perfil dos produtos, será necessário mudar o perfil dos compradores. 

Enquanto a China for a grande compradora, não haverá mudança desse perfil. 

O "Brasil" terá que buscar outros mercados internacionais para exportar separadamente o óleo e o farelo.

O principal mercado de óleos vegetais, no Mundo, é do óleo de dendê, que no Brasil, tem apenas uso regional e vem sofrendo contestações pelos seus riscos à saúde. O que não é plenamente confirmado. Há incidência maior de câncer entre os baianos do que nos demais? O acarajé é cancerígeno? Fato ou mito?

O fato é que o óleo de dendê (ou palma) representaria cerca de 2/3 dos óleos vegetais consumidos no mundo.

O Brasil teria que buscar os mercados consumidores do óleo de soja, além dos norte-americanos que tem produção própria, ou adotar estratégias alternativas, como focar a transformação do óleo de soja em biodiesel. 

Trataremos da questão em outro momento, sem deixar de considerar que essa transformação, dentro das tecnologias atuais, conta com a restrição do uso do metanol. Pode ser outro mito. 

Esse domínio do óleo de palma, gera mercado para as exportações de farelo, para aqueles que não querem o óleo de soja, mas só o farelo.  Importar só o farelo, do que importar o grão para apenas aproveitar o farelo, não seria o mais conveniente. A menos de usar o óleo de soja para fins energéticos. O que igualmente entra em concorrência com o óleo de palma.

A Índia é um desses países, que precisa de farelo para alimentar os seu animais e não quer o óleo de soja. Ela produz e usa preferencialmente o óleo de palma. Orientar as exportações para esse país, reduzindo a dependência da China, seria uma alternativa para exportar mais semi-manufaturados e não a matéria-prima bruta. 

O farelo de exportação também não paga ICMS, e portanto não depende de alteração da Lei Kandir. 

Não é a Lei Kandir que determina o perfil das exportações do complexo soja. É o mercado.






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