Liberais x conservadores

A grande ocorrência das eleições de 2016 não foi o aniquilamento do PT e vitória do PSDB, liquidando com a esquerda.  Os dois partidos tradicionalmente adversários, são ambos do campo do centro esquerda. Embora o PT fizesse a narrativa da esquerda que ele representaria contra a direita, apontada como a ideologia do PSDB, na prática os embates ficavam restritos do lado esquerdo, com o PMDB no centro e praticamente sem a direita. Que, agora ressurgiu. Esquerda e direita seriam um embate em relação à política econômica, principalmente no aspecto fiscal. O PT representaria o intervencionismo estatal enquanto o PSDB seria defensor de um Estado mais enxuto e sem déficits. O PMDB, em geral, está do lado dos gastadores. No campo dos direitos, cada lado defende os seus: o PT o dos trabalhadores enquanto o PSDB, defende os direitos contratados, em nome da segurança jurídica. Com isso mantendo os ganhos dos mais ricos. O que dá margem às acusações da esquerda de serem de direita, segundo a clássica visão de luta de classes.

As eleições de 2016, nas principais capitais mostrou que o jogo foi outro. O PRB emergiu como uma força conservadora, embora não no sentido econômico. É no sentido sócio-cultural, envolvendo a visão das pessoas sobre os costumes ou questões que afetam o seu dia a dia: aborto, casamento homossexual, igualdade de gêneros e de raças, tolerância religiosa, corrupção e outros. Acrescido agora pelo agravamento do desemprego.

O elemento mais importante que afetou e pesou na decisão do eleitor foi a sensação de corrupção. Uma visão de que a corrupção dos governantes é a fonte de todos os males, de que a carência ou má qualidade dos serviços públicos são consequências do desvio de dinheiro público.

É a formação de uma cultura, de um sentimento coletivo, quase inconsciente, formado mais por crenças do que por fatos comprovados. Se do ponto de vista da Justiça formal é preciso provas, para o julgamento popular basta a convicção. Tendo como arautos, os jovens procuradores de Curitiba.

Esta pauta (ou agenda) política dominou as eleições das mega cidades abaixo do paralelo 16, quebrando os paradigmas tradicionais e gerando surpresas nas disputas e nos resultados finais. As disputas não foram entre "azuis" e "vermelhos", entre pobres e ricos, mas - predominantemente - entre liberais e conservadores. E também entre os tolerantes e intolerantes com a corrupção.

Esse novo quadro fez com que Marcelo Crivella, um ex-pastor evangélico, mas de vocação e ambição política fosse eleito Prefeito do Rio de Janeiro. Como político por profissão aspira o Governo do Estado ou até a Presidência da República. A menos de acidentes de percursos - que ocorreram muito nos últimos anos - será candidato ao cargo máximo da política, em 2022.

Nas eleições do Rio de Janeiro essa disputa ficou mais clara com os mais pobres, moradores dos subúrbios, apoiando um candidato conservador e os de maior renda, moradores da Zona Sul, ficando com o candidato de esquerda, com posições liberais. O resultado da votação mostra que são minoritários, embora mais visíveis.

O fato de Crivella ser um ex-pastor, ter o apoio da Igreja Evangélica atrapalha as análises, de curto prazo.

A comunidade católica que ainda é maioria, não se mobiliza politicamente, porque já está no poder. Com o amplo domínio dos setores conservadores. Tanto na sua cúpula mundial, sediada no Vaticano, como na estrutura brasileira.

Os setores mais progressistas da Igreja Católica no Brasil se filiaram à resistência à ditadura militar e com a redemocratização participaram ativamente da formação e desenvolvimento do PT, a partir das Comunidades Eclesiais de Base. As CEBs deram sustentação à incorporação das camadas mais pobres ao projeto inclusivo do PT, originalmente baseado nas lutas dos trabalhadores formais. Mas foram abandonado o projeto político, por dois motivos principais: a percepção de que o projeto político do PT era um grande projeto de poder, usando as propostas inclusivas como meio de conquistar e se manter no poder. Em benefício maior de poucos. A Operação Lava-Jato acabou desvendando essa distorção.
A segunda foi a "virada" no Vaticano, com a retomada do poder pelos conservadores, anulando muitas das ações inclusivas de João XXIII. As posições caracterizadas como progressistas estão sendo retomadas pelo Papa Francisco.

Como a sociedade não deixa "espaços vazios" por muito tempo, esses vem sendo ocupados pelas igrejas evangélicas, predominantemente por visões conservadoras.

Ainda como minoria e fora do poder, vem buscando pelo caminho eleitoral a conquista do poder. A cada eleição municipal aumenta o número de vereadores e Prefeitos, ligados a igrejas evangélicas.

Não se trata apenas de opção religiosa pessoal, mas o uso dos adeptos da igreja como base eleitoral. Não há preferências partidárias, com os candidatos buscando os partidos que lhe abriguem. Não há uma coincidência ideológica entre a igreja, o candidato e o partido. Como em muitos casos, o candidato tem votos, interessa ao partido atraí-lo para ampliar a sua cota eleitoral.

PRB e PSC seriam partidos inteiramente dominados pelos evangélicos, mas as bancadas evangélicas não são formadas apenas por deputados desses partidos. Eles estão em todos os partidos.

Não está claro qual é o projeto de poder das igrejas evangélicas. Tampouco qual é conteúdo programático do projeto.

A eleição de Marcelo Crivella vai clarear esse projeto.

(cont)










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