A omissão de José Galló

José Gallo é, sem dúvida, o melhor e mais brilhante administrador profissional. O paradigma desejado pelas Escolas de Administração. Não é um acadêmico, profundo conhecedor das teorias administrativas, mas capaz de colocar em prática as mais adequadas ao seu negócio.
O seu livro “Poder do Encantamento” deve ser o livro básico de todo estudante de Administração, que sem ser “herdeiro” tem pretensões de alcançar a direção geral de uma empresa. Um aspecto relevante do livro é que não encerra com extensa bibliografia, mas com depoimentos.
Feitos os devidos elogios, respeito e admiração, seguem anotações de algumas omissões e senões.
A principal omissão se refere às relações sindicais, que só aparecem pontualmente em relação ao trabalho nos domingos, ainda dos tempos pré-Renner. Não há nenhuma referência a eventuais greves e movimentos dos comerciários, de toda a sua rede.
Outra omissão refere-se ao trabalho similar à escravidão. Uma questão que é – provavelmente – o mais risco de uma rede de varejo que se baseia na cultura empresarial e na imagem.
O trabalho similar à escravidão, que se contrapõe ao “trabalho decente” é a maior preocupação mundial do mundo do trabalho, capitaneado pela OIT. É um problema maior que os eventuais impactos da automação, da robotização, da inteligência artificial e outras inovações da Revolução 4.0.
O “trabalho indecente” é um produto da indústria 3.0, ora em pleno curso promovido pela globalização. As grandes marcas internacionais de vestuário são as principais responsáveis pela expansão da globalização, com a transferência da produção industrial de suas criações, para países com menor custo de mão-de-obra e regulação e fiscalização menos rígida das condições de trabalho.
Diante da concorrência de preços, essas empresas que comercializam as suas peças em todas as praças do mundo, inclusive nas grandes lojas brasileiras, como a Renner, Riachuelo, C&A e outras, transferem a produção a terceiros que por sua vez “quarteiriziam”, “quinteirizam”, buscando a redução de custos da mão-de-obra. Em muitos países essa redução é obtida por regimes de trabalho, com inadequadas condições de trabalho e remuneração, que são aceitos pelos trabalhadores, por falta de opção. Ou melhor para eles a alternativa é exploração ou desocupação.
A OIT, juntamente com os Sindicatos dos Trabalhadores, os órgãos governamentais de fiscalização do trabalho e organizações não governamentais buscam impedir ou mitigar a prática, punindo as ocorrências e exigindo do varejo final a responsabilidade por controlar a origem dos seus produtos.  São as grandes marcas e as grandes redes de varejo as que tem que cuidar do trabalho digno em toda a cadeia produtiva dos produtos que comercializam.
As organizações não governamentais – principalmente através das redes sociais – buscam a conscientização dos consumidores, para que indaguem e verifiquem se o produto não envolveu trabalho infantil ou condições similares à escravidão.
E vem usando o instrumento mais poderoso contra a prática pelas grandes marcas e lojas: a imagem.
Uma denúncia de uso de trabalho infantil ou similar à escravidão, causa um amplo e profundo impacto sobre a marca, obrigando-a gastos enormes para “limpar a marca”, que, provavelmente, são maiores do que a economia pela compra de produtos mais baratos, não certificados.
A Zara foi denunciada no Brasil pelo uso de trabalho similar à escravidão, punida por isso, obrigada a firmar um Termo de Ajuste de Conduta. Mas a sua maior pena foi a perda de clientela que deixou da comprar na Zara. O estigma do trabalho escravo ainda remanesce em relação à rede. A Riachuelo vem enfrentando problemas que embora tenham cunho político, afeta a sua imagem. A Renner também foi envolvida numa fiscalização.
As grandes redes de varejo da moda, como a Lojas Renner, precisam estabelecer um sistema mais eficaz de rastreamento dos produtos vendidos, para não serem surpreendidos por denúncias. Para continuar encantando os seus clientes, não basta o bom atendimento. Precisam garantir às suas clientes de que não estão pagando um trabalho infantil ou similar à escravidão.

Diante da ocorrência em nota pública a Renner se pronunciou:

"A Lojas Renner, signatária do Pacto de Erradicação do Trabalho Escravo e Pacto Global em 2013, não admite falhas na fiscalização e está revisando e aperfeiçoando o processo de auditoria e certificação de fornecedores."


Não há nenhuma referência a respeito da questão no fascinante livro de Galló. Mesmo que tenha ocorrido posteriormente ao fechamento da redação do livro. O que é preocupante. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Lula, meio livre

Lula está jurídica e politicamente livre, mas não como ele e o PT desejam. Ele não está condenado, mas tampouco inocentado. Ele não está jul...