Ilusões sobre a reforma política

A segunda longa matéria do jornal O Estado de São Paulo (23/09/2016) da série Reconstrução do Brasil, tendo como tema a Reforma Política, sob  o título  "O desafio de cortar na carne" é uma visão típica da "opinião publicada", que não irá se efetivar porque não leva em conta quem detém efetivamente o poder eleitoral e legislativo: "a opinião não publicada".

Parte importante dessa opinião é nacionalmente "não publicada", mas "publicada" local ou regionalmente. Quer dizer: as notícias políticas locais e regionais se limitam às pessoas e acontecimentos publicados pela mídia específica, não chegando à mídia dos principais centros. A não ser excepcionalmente. O Brasil do sudeste não conhece ou mal conhece quem são os governadores de Rondônia, de Roraima ou de Sergipe. Alguns paulistas podem conhecer por questões familiares ou pessoais. Mas não tem idéia de quem são os Senadores e muito menos quem são os deputados desses Estados. Mas cada um desses Estado tem 8 deputados. Os deputados na Câmara por quotas estaduais chega a praticamente 10% do total.A maior parte deles se tornou conhecida, na votação da admissibilidade do impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados. E a opinião publicada ficou literalmente horrorizada.

Mas no sentido contrário, a opinião publicada local ou regional é afetada também pelo noticiário nacional, principalmente pela televisão. O principal meio de comunicação nacional do noticiário político, provavelmente é a Globo News. Mas os analistas, especialistas convidados e comentaristas são predominantemente do sudeste. E tratam das questões nacionais segundo as lentes do sudeste, ou de Brasília.

O regime político brasileiro não é puramente presidencialista, tampouco parlamentarista. O sistema tem sido caracterizado como presidencialismo de coalizão, mas é na realidade, um presidencialismo parlamentarista. O parlamento tem um grande poder que nem sempre se manifesta, mas pode impedir medidas legislativas de interesse do Executivo, assim como aprovar "pautas bombas" que não interessam ao Executivo. No limite podem destituir o Presidente, embora num processo lento, longo e sofrido, mas tem esse poder e o exerceu por duas vezes.

Teoricamente o partido que elege o Presidente deveria carregar consigo a maioria parlamentar. Mas isso não ocorre, porque enquanto a eleição presidencial é nacional, a eleição parlamentar é fragamentada por Estado e ainda com quotas mínimas por Estado. Isso explica porque há pouca coincidência entre a composição do poder executivo e do legislativo.

A fragmentação partidária tem uma projeção estadual. O objetivo do partido "nanico" é o acesso aos recursos do fundo partidário e do tempo de rádio e tv que pode "vender" aos partidos majoritários, mas a sua sustentação se deve à atração de parlamentares e políticos insatisfeitos ou discriminados pelas direções partidárias.

Na prática os partidos políticos brasileiros não são democráticos, organizados a partir das bases, mas são dominados por pequenos grupos que conquistam o poder partidário e a partir dai manobram para a sua permanência no poder, limitando a participação dos dissidentes. Esses então vão buscar abrigo nos partidos menores.

É dentro dessas circunstâncias reais que precisam ser avaliadas as propostas da reforma política e as probabilidades de aprovação.

Apelar para o interesse público, para o bem da nação, é um discurso bonito que todo político adere no discurso, mas não na ação e nos seus votos.

O deputado não representa a nação, mas o seu Estado, ou melhor parte do seu Estado. Aquela parte que lhe dá os votos e quer ser atendida direta e concretamente, sem o que não o reelege.

O objetivo inicial do candidato é ser eleito deputado federal. Depois de eleito o seu objetivo sucessivo é ser reeleito. Para isso ele não está focado no interesse nacional, mas no interesse do seu eleitorado.

Se ele foi eleito pelas "sobras" dentro de uma coligação, a visão primeira é manter o sistema que propiciou a sua eleição. Os que perderam a vaga e teriam sido eleitos caso não houvesse a coligação, não tem assento no Congresso, não tem voto. O fim da coligação depende dos que estão dentro do Congresso.

Esses não são efetivamente sensibilizados pela visão da opinião publicada de que o eleitor vota num candidato de um partido e acaba elegendo outro candidato de outro partido. A visão dos membros dos partidos maiores é de uma relação de "custo-benefício". Com quantas vagas a mais o partido nanico contribui e quantas vagas ele ocupa tirando lugar dos candidatos dos partidos maiores?

Aos partidos maiores que aceitam as coligações o interesse é de contar com votos de uma multiplicidade de candidatos que ajudam a aumentar a quantidade de vagas, sem ter "campeões" de votos que ocupem essas vagas.

Os partidos maiores já perceberam que os partidos menores tiram mais vagas do que acrescentam. O resultado está espelhado na composição partidária na Câmara dos Deputados. Os partidos maiores tem apenas cerca de 1/3 do total. 2/3 são de partidos menores e o "centrão" é a maior bancada.

Dentro dessa percepção os partidos maiores tentarão aprovar as condições de desempenho, também caracterizadas como "clausulas de barreiras", assim como a proibição das coligações.

O problema para a aprovação das medidas mediante uma PEC (projeto de emenda constitucional) é a necessidade de maioria qualificada (2/3 dos votos) e a inusitada união dos pequenos partidos de esquerda, com os partidos de aluguel.

Já em relação ao financiamento empresarial das campanhas a posição majoritária do Congresso é a favor. Esta medida só não será aprovada se houver forte pressão social, pressão nas ruas.

Não bastarão movimentos em São Paulo e no Rio. Terá que haver forte pressão nos estados. O maior mecanismo de pressão passou a ser a rede social.






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