Fundamentos técnicos do processo de impeachment (republicação)

Estou republicando, em função da instalação da Comissão que vai julgar o impeachment da Presidente, o texto que coloquei no blog no dia 14 de dezembro de 2015, explicando tecnicamente, o fundamento do processo Embora o processo seja político é preciso que o fundamento técnico seja entendido e aceito. 

Gente
Dediquei os últimos dias a pouco útil (ou inteiramente inútil) tentativa de esclarecer tecnicamente a questão da denúncia que deu margem ao início do processo de impeachment da Presidente Dilma.

Desde o início do movimento de pedido de impeachment todas ações foram contaminadas pelas posições políticas, com muita desinformação pela mídia, alimentando as posições radicais.

O que queriam a derrubada da Presidente alegavam a incompetência da Presidente e o envolvimento do PT com os esquemas de corrupção na Petrobras e outros órgãos públicos. Os defensores da Presidente acusavam os opositores de tramar um golpe, de tentar um terceiro turno e pretender reverter o resultado das eleições de 2014, e a opção da maioria dos eleitores.

Nesse jogo de "Fla-Flu" pouco se consideraram as questões técnicas e jurídicas. Qualquer avaliação nesse sentido não era contestado dentro do mesmo diapasão, mas se seriam pró ou contra Dilma.

Resolvi tentar esclarecer a questão, por envolver um tema, que já foi da minha especialidade: normas e técnicas do orçamento público.

Não estou aqui assumindo uma posição pró ou contra Dilma, mas uma avaliação estritamente técnica, contrapondo-me às versões políticas e emocionais em relação aos fatos.

Não pretendo continuar com esses esclarecimentos. Faço-o em atenção a pessoas que questionaram as minhas colocações. 
  

Em primeiro lugar, entre as muitas denúncias da petição, da ocorrência de crime de responsabilidade da Presidente da República, apresentada por Helio Bicudo, Miguel Reale Jr e Janaina Paschoal, o Presidente da Câmara só aceitou uma, para dar início ao processo.

 Por ter decidido, em retaliação à decisão do PT de votar contra ele na Comissão de Ética, o que prevaleceu foi a visão de disputa pessoal, sufocando a avaliação e discussão da denúncia específica, aceita pelo Presidente da Câmara.

As notícias iniciais difundidas foram de aceitação das ditas "pedaladas fiscais", práticas denunciadas pelo TCU como irregulares. Motivos suficientes para o  plenário do TCU propor a rejeição das contas da Presidente de 2014.   

A "pedalada" que chamou maior atenção foram os adiantamentos feitos pelos bancos oficiais de programas sociais, caracterizados como financiamento pelos mesmos ao Tesouro Nacional o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas essa não foi aceita, na abertura do processo.

O que foi aceito é uma pedalada mais simples, mais técnica, que começa a ganhar maior importãncia, não pelos aspectos técnicos, mas pelos que praticaram o ato.

São seis decretos de abertura de crédito suplementar, em julho de 2015 - portanto dentro do atual mandato da Presidente Dilma Rousseff - dos quais 3 foram editados pelo Vice-presidente em exercício Michel Temer e 3 pela Presidente efetiva. E todos os seis assinado por  Nelson Barbosa, Ministro do Planejamento e responsável pelas atividades orçamentárias do Governo.

A mídia apressadamente apresentou - quando apresentou - que a infração teria sido a edição de crédito suplementar sem autorização legislativa, colocando a versão de que todos os créditos adicionais, incluindo os suplementares, requereriam autorização legislativa, o que não teria sido obedecida. Dai ser uma pedalada fiscal.

Essa tese foi reforçada pela Advocacia Geral de União, que defendendo as iguais pedaladas ocorridas em 2014, junto ao TCU, alegou que "todo mundo faz" e que se os Governos não os fizessem, emperraria a ação executiva.

É um sofisma, por que a abertura da créditos suplementares por decreto decorre de uma autorização genérica, incluída nas leis orçamentárias, desde os anos setenta, com restrições. Só pode ser feita mediante transferência de verbas, sem aumento de receita. Não pode, por exemplo, indicar como fonte de recursos, excesso de arrecadação futura. 

Desde que criada essa autorização genérica, no orçamento do Governo Estadual de São Paulo, todos os Governos municipais, estaduais e federal a adotaram e todos os Governantes editaram créditos suplementares, sem nova autorização legislativa. Dai a argumentação de que "todo mundo fez". "Todo mundo faz".

Ocorre que, no Governo Federal, quando se criou a figura do  superávit primário, para garantir o pagamento dos juros condicionou a autorização para com a abertura dos créditos suplementares  ao cumprimento da meta de resultado primário, estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO.

Em todos os anos anteriores a 2014, não houve o risco de não cumprimento da meta. A primeira vez que isso ocorreu foi em 2014, tendo sido necessário ajustar a meta, por lei para que não houvesse o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. A edição de decretos  com a abertura de créditos suplementares, sem a garantia do cumprimento da meta de resultado primário foi apontado pelo TCU como uma das irregularidades que motivaram a sua proposição de rejeição das contas.

As primeiras contestações do Governo e seus partidários à abertura do processo de impeachment, inclusive convocando um conjunto de 40 juristas foi de que não havia um fato específico, que daria fundamento à abertura. Foi caracterizado como um artificialismo e uma tentativa de golpe.

Depois de muita fumaça, dissipada a mesma, restou o pequeno fogo, focado e somente nesse, dos 6 decretos de abertura dos créditos suplementares em desacordo com a LDO.

Irrefutada a tese da inexistência do fato a argumentação subsequente foi de o suposto crime não havia transitado em julgado, pois o TCU não tinha a palavra final, que seria do Congresso Nacional e esse não havia decidido se rejeitava ou não as contas.

A abertura do processo de impeachment foi feito mediante denúncia de indício de crime de responsabilidade da Presidente por atentado à lei orçamentária. Fundamentado em entendimentos do TCU e da assessoria orçamento da Câmara, onde estão as melhores equipes técnicas em matéria de orçamento público, acima da equipe da SOF à qual cabe preparar as propostas da LDO e da LOA. 

A indagação é se a abertura poderia ocorrer apenas com fundamento em indícios de atentado à lei orçamentária, precisaria que o Congresso tipificasse o procedimento como tal, ou se esse julgamento teria que ser feito ao longo do processo de impeachment. 

O STF consolidou o entendimento sobre o processo de impeachment:
A denúncia inicial será objeto de avaliação por uma Comissão Especial dentro da Câmara dos Deputados, eleita, por voto aberto, a partir das indicação das lideranças. Essa comissão ouviria a Presidente, as suas alegações e submeteria o seu relatório ao plenário que pelo mínimo de 2/3 dos deputados teria que admitir a denúncia. Se não houver essa admissão, o processo seria arquivado.

Admitida a denúncia, ou seja, admitido que os fatos incriminadores efetivamente atentaram contra a lei orçamentária, o processo é encaminhado ao Senado que resolve, preliminarmente, por maioria dos seus componentes se instaura o processo de julgamento, ou recusa a denúncia. O que precisa ser fundamentado, embora tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, as decisões serão políticas, considerando o "conjunto da obra" e não pelo fato específico.

O julgamento pelo Senado, em sessão presidida pelo Presidente do STF, definirá por 2/3 dos senadores se a Presidente efetivamente - com a edição dos decretos referidos - atentou ou não contra a lei orçamentária, incorrendo em crime de responsabilidade. Ao final será decidido se ela é culpada ou inocente.

Como três dos decretos foram assinados pelo Vice-presidente em exercício, a penalidade poderá alcançá-lo.

Embora não questionado especificamente o Supremo teve oportunidade de ser manifestar sobre a legalidade ou não da abertura do processo de impeachment, ao analisar o direito de defesa prévia da acusada.

No silêncio o processo segue, podendo se entender que o STF recepcionou a tese da existência de fundamento jurídico para a abertura. 

Porque o PCdoB que questionou diversos pontos do processo não questionou a fundamentação da abertura, com os argumentos, difundidos pela mídia, de artificialismos ou de se basear em ações não tipificadas como infração ou atentado à lei orçamentária, pelos órgãos competentes?

Poderá ainda a Advocacia Geral da União ou outro  partido ainda ingressar no STF pedindo a anulação da abertura do processo de impeachment, contestando a fundamentação jurídica?

Concluo com a frase popular de que pau pau que bate em Chico, bate em Francisco. No pau de pau que bate em Dilma, bate em Temer.

Se os dois forem impedidos assume o Presidente da Câmara, para marcar nova eleição. Quem será, nessa ocasião?




   

  

    

 

 

 
     

 

 


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