Esgotamento centralizado, descentralizado e distribuido

Começo com uma comparação com a evolução dos sistemas elétricos. 
A partir da tecnologia de geração hidroelétrica foram aproveitados os potenciais mais próximos dos centros consumidores, em geral, de pequena capacidade.  Por estarem em áreas próximas de áreas com maior densidade de ocupação, eram usinas de fio d'água, com pequenos reservatórios, aproveitando os desníveis.
Com o esgotamento dos potenciais próximos as usinas foram sendo levados mais longe do consumo. Para compensar os custos maiores de transmissão (ainda com grandes volumes de perdas) o modelo adotado foi de grandes usinas, com imensos reservatórios. No Brasil culminou com a usina de Itaipu, na ocasião, a maior usina hidroelétrica do mundo.

Com as restrições ambientais e culturais aos grandes lagos, e o desenvolvimento de tecnologias para o melhor aproveitamento do sol e dos ventos para a geração de energia, passou-se ao modelo da geração de energia descentralizada, com a instalação de parques industriais de energia eólica e solar, voltando-se a aproximar a geração do consumo.

Um terceiro movimento foi a geração domiciliar da energia solar ou eólica, dando origem à energja distribuida. É gerada pelo próprio consumidor e o excedente é transferido para a rede pública, com compensações de receitas e custos.

Esse novo modelo é incipiente mas é uma tendência que irá crescer nos próximos anos e poderá se tornar a principal fonte de geração de energia no Brasil.

Esse modelo poderá ser replicado para os sistemas de água e esgotos.

O abastecimento de água passa pela mesma situação que foi vivida pelo setor de energia. Os mananciais mais próximos dos centros de consumo estão se esgotando e é preciso ir buscar água em fontes cada vez mais distantes. A situação da macro-metrópole paulista (uma região mais ampla do que a área metropolina de São Paulo) é a mais crítica.

O abastecimento descentralizado significaria utilizar mananciais mais próximos, embora com capacidade menor e aproveitar melhor os existentes com tecnologias de reuso e uso do chamado "volume morto".

O sistema distribuido ocorreria pela captação de água subterrânea e a injeção de excedente na rede. Envolve questões tecnológicas complexas ainda não dominadas. Mas como ocorreu com a energia distribuida, a partir do conceitos e regulações básicas, foram desenvolvidas pesquisas em equipamentos e componentes que hoje permitem a sua concretização. 

No caso do esgotamento sanitário, o sistema descentralizado se daria por sistemas residenciais condominiais, como já existe no tratamento industrial. São também caracterizadas como ETEs compactas. Já existem tecnologias desenvolvidas em midi ou mini-sistemas de tratamento de esgotos com eficácia comprovada. Esta é definida pela qualidade do efluente que sai dessas mini estações de tratamento. O que atenderia às exigências ambientais.

Os entraves são de natureza econômica e institucional. 

O entrave econômico deve considerar os dois lados: o do consumidor e do prestador de serviços.  

O consumidor em São Paulo, como na maioria dos locais, paga os serviços de coleta, afastamento e tratamento de esgotos, com um valor igual ao consumo de água, acrescidos dos impostos. No entanto, nem sempre a prestadora dos serviços promove o devido tratamento despejando os esgotos nos corpos d'água, nas condições em que foram coletados. Muitos prestadores querem cobrar um custo adicional, alegando que os valores equivalentes ao da água seriam deficitários. Só não contam que os da água são superavitários.

Se assim for, deixar de prestar os serviços de coleta e afastamento de esgotos seria economicamente vantajoso para o prestador dos serviços. Mas não seria bem assim. Com a prestação e cobrança dos dois serviços a prestadora divide custos comuns, como a emissão de contas e cobrança, pelos dois. A maioria dos serviços administrativos também são rateados. Sem os serviços de esgotos alguns poderiam ser reduzidos, mas a maioria permaneceria recaindo inteiramente sobre os serviços de água. A retirada dos serviços de esgotos poderia não reduzir o déficit e, eventualmente, até aumentar. Ademais, para empresas como a SABESP que tem acionistas privados e ações em bolsa, inclusive no exterior, interessa inflar o seu movimento econômico, para se caracterizar como uma grande empresa. 

Uma outra questão que não interessa à concessionária é o reuso da água depois de tratada pela ETE compacta. Haveria uma redução da venda de água e consequente redução adicional de receita.

Do lado do consumidor interessa avaliar se o custo dos serviços descentralizados de esgotos custará mais ou menos do que o prestado pela concessionária. Tendo que vencer a barreira da retirada da cobrança por essa. 

A comparação de custos pode envolver uma ilusão. No caso da concessionária ela não cobra separadamente os custos de capital e os custos de operação. No caso da operação descentralizada essa tenderá a ser separada. O valor do investimento será cobrado quando realizado, podendo ser financiado a curto prazo. Mensalmente será cobrado apenas o custo operacional que poderá ser menor do que o cobrado pela concessionária, dando a impressão de que é economicamente mais vantajoso. Desconsiderando que o custo do capital está sendo cobrado separadamente.

Pessoalmente não conheço estudos econômicos comparativos, embora devam existir. Uma das principais fornecedoras de ETEs compactas - a Mizumo - afirma das vantagens econômicas, mas essas não estão demonstradas no seu sítio.

O esgotamento sanitário distribuido já é amplamente utilizado, na forma de fossas sépticas. Não existem tecnologias de comprovada eficácia em relação à qualidade dos efluentes que podem afetar os lençois freáticos. Podem até existir, mas seriam ainda de custo econômico inviável.

E  a fossa séptica não seria uma solução popular, onde é mais amplamente utilizada. 

No entanto, como ocorre com o sistema elétrico, a tendência é de ampliação dos sistemas descentralizados e distribidos. Até porque não há perspectivas de alocação de investimentos públicos para a desejada universalização do saneamento básico. Dentro do modelo atual essa condição só seria atendida no próximo século, ou nem isso. O resíduo não atendido remanesceria por muitos anos. 

A universalização mais rápida do esgotamento sanitário, eliminando de vez o esgoto correndo a céu aberto, pelas ruas, ou despejado diretamente nos córregos e rios só será conseguido pela implantação dos sistemas descentralizados e distribuídos, com pleno atendimento dos requisitos sanitários e ambientais.

 

 

 


 

 

  
 

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