Marielle presente: comoção momentânea ou prenúncio de grandes mudanças?

O assassinato de Marielle Franco, uma jovem política, com uma vida autêntica, fiel à sua trajetória pessoal e esperança de renovação dos quadros desejados pela sociedade, causou e vem causando grande e devida comoção social, que alcança repercussão internacional.

A mobilização poderá se esvair em pouco tempo, como ocorreu com outros episódios semelhantes, sendo o caso da juiza Patrícia Accioly, o mais lembrado. Ou poderá alimentar uma grande mobilização nas ruas, provocando grande mudança na vida dos moradores do Rio de Janeiro, com repercussões maiores.

A história das grandes mobilizações de rua, mostra que elas provocaram mudanças culturais que depois perderam evidência, por se incorporarem na vida cotidiana. Os mais novos que não viveram as situações anteriores mal conseguem perceber ou compreender as mudanças. A não ser pelos livros e filmes.

O que aconteceu com o Rio de Janeiro, foi um retrocesso do processo civilizatório, com a reemergência da barbárie.

Grupos mais fortes, baseados nas armas, assumiram o controle de comunidades, submetendo a população às suas normas e cobranças.

O Estado se omitiu nas suas funções de segurança pública, suprimento de serviços de utilidades públicas ou da sua regulação, assim como de serviços de saúde e assistência social. Em alguns casos, foi pior. O Estado entregou a grupos criminosos essas funções. Terceirizou as suas responsabilidades públicas.

Sem a presença do Estado, com o seu poder institucional e com o monopólio de atividades públicas, grupos privados passaram a disputar a governança das comunidades, submetidas ao grupo mais forte, pelo medo.

Ao contrário do Estado que tem uma justiça institucionalizada (apesar de defeitos) com regras e penas definidas e limitadas, as penas aplicadas por esses grupos privados são próprias. A pena de morte é aplicada, por julgamentos sumários ou até sem julgamento. 

Governam pelo medo, a população submetida paga pela "proteção" e não fala, não denuncia por medo. 

Só há duas possibilidades do Estado reassumir a governança dessas comunidades: pela guerra, derrotando pelas armas, as facções criminosas que assumiram o governo ou pela adesão da população, denunciando as práticas, para levar à prisão as lideranças e componentes dessas facções levando ao desmantelamento delas. 

Mesmo no caso de guerra, sem a adesão da população civil, as forças estatais não conseguirão derrotar as facções, acobertadas pela população local.

Por outro lado, não adianta o Estado ganhar a batalha, se não ocupar a governança do território e assegurar à população os serviços públicos básicos. Sem isso, as facções voltarão a tomar o espaço.

Marielle Franco bem conhecia esse quadro. Ao contrário de políticos, jovens ou não, nascidos e vividos na Zona Sul do Rio de Janeiro, tornados ativistas por opção ideológica, reclamando da situação sem a sua vivência do dia a dia, Marielle nasceu, viveu e não saiu da favela da Maré, umas das maiores do Rio de Janeiro. 

Destemida, intimorata não tinha medo de fazer denúncias. Sabia que estava em risco permanente, mas o enfrentava com tranquilidade e fervor. Sabia que a qualquer momento poderia ser "apagada", mas não se intimidou. E acabou sendo sacrificada, como já esperava.

O exemplo que ela procurou transmitir é o da não intimidação, ou da fuga. Ela não se intimidou. Não se mudou para a Zona Sul ou outro local, supostamente mais seguro. Permaneceu na Maré. Manteve a sua atuação ativista, com rotinas e agendas conhecidas. Sem proteção pública ou privada. 

A mobilização inicial contra o seu assassinato de forma premeditada só terá efeito com a adesão do resto da sociedade, ampliando a presença dela nas avenidas, praças e ruas.

A adesão ainda na noite de ontem, foi importante, mas não suficiente. 

A Cinelândia, ontem à tarde, durante o velório tinha grupos de pessoas solidárias a Marielle, mas aparentemente os seus seguidores e que não chegavam a encher a praça, em frente à Câmara Municipal. Com o noticiário pela televisão, principalmente a cobertura e campanha pela Rede Globo - apesar de sempre demonizada pela esquerda - fez a Cinelândia encher à noite.

Na Avenida Paulista, em São Paulo, no fim da tarde, havia grupos em frente ao vão do Masp. Mais tarde, vários quarteirões foram tomados.

A última mega mobilização das ruas no Brasil, foi em junho de 2013, que foi deflagrada por protestos contra o aumento de tarifas do transporte coletivo, mas tinha como um pano de fuso - ainda que esmaecido e difuso - o cansaço da sociedade organizada contra a corrupção que havia se alastrado, mas ainda não revelado.

O que prevaleceu foi um sentimento difuso do inconsciente coletivo. 

Em 2015 a sociedade organizada foi às ruas novamente, para pedir uma ação concreta, ainda que promovida por aquele inconsciente coletivo: apear o PT do Governo. O que se queria não era apenas derrubar Dilma, mas o PT, como um todo. 

Isso pode explicar porque a sociedade organizada não irá às ruas para defender Lula. Embora ele tenha o apoio majoritário da"sociedade não organizada", essa não vai às ruas se manifestar. E a organizada que vai às ruas, vê em Lula o grande mentor do esquema de corrupção instalada pelo PT, em 13 anos de Governo.

A mobilização "Marielle presente" só terá efeitos positivos se as comunidades submetidas às forças espúrias deixarem de se intimidar, e deixarem de dar cobertura àquelas. O principal instrumento será a denúncia. 

Houve avanços nesse sentido e a atuação firme de Marielle Franco foi um deles. As forças espúrias tentaram conter os avanços, mediante a sua principal arma: a intimidação e a eliminação física.

Para que as mudanças ocorram efetivamente, a sociedade tem que dar apoio aos denunciantes e superar o preconceito do "dedo duro". 

Os denunciantes são os resistentes que não aceitam ficar calados. Alguns ainda vão ser sacrificados. 

Vencer a barbárie envolverá guerra. Não adianta clamar paz, para quem não a quer. A barbárie só será vencida quando derrotada (parafraseando Vicente Matheus).

E não será derrotada sem a participação direta da população submetida à ela. 

Mobilizações na Avenida Atlântica dá repercussão na televisão e só. Elas precisam ser feita na Avenida Brasil e em outras localidades, onde as populações das comunidades submetidas percebem visualmente e presencialmente o apoio da sociedade organizada. 






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