A nova plumagem tucana

A meteórica ascensão de João Dória Jr, no final da campanha, concomitante à vertiginosa queda de Celso Russomanno, aos baixos índices de Fernando Haddad, Luiza Erundina e também de Marta Tereza indicaram a emergência de uma nova era política que poderá se consolidar em 2018. Ou não se sustentar até lá, com uma forte reação das forças agora em baixa.

Esse movimento levou à vitória de Dória Jr ainda no primeiro turno. Pode ter havido até voto útil a seu favor, para evitar a reeleição de Haddad ou o retorno de Marta Teresa, mas o que determinou a sua vitória no primeiro turno foi o mote que dominou as eleições em São Paulo, o centro das manifestações populares: a oposição à corrupção.

Embora latente e percebido os analistas não deram a devida atenção, presos aos tradicionais paradigmas da disputa PSDB x PT. Eu mesmo estava preso a essa armadilha. Só percebi na quarta-feira quando foi me mostrada a pesquisa do Datafolha por região da cidade.

Estava clara que a disputa pelo voto dos eleitores da periferia estava entre Dória Jr e Russomanno, com ganhos sucessivos do tucano em relação ao segundo. Os petistas e ex-petistas se degladiavam dentro de uma parte menor.

Russomanno era percebido como o "diferente", não necessariamente novo. Dória Jr emergiu como o "novo", apresentando-se como gestor, a partir de uma trajetória de empresário bem sucedido, que enriqueceu com a sua atividade profissional.

Usou o apoio de Alckmin para ser o candidato do PSDB. Valeu-se das mais tradicionais manobras políticas para vencer a ala mais à esquerda do PSDB, "comprando apoios".
Alckmin apostou nele por acreditar na mudança dos tempos, apesar dele mesmo ser um alvos dos movimentos populares e ter muitos "esqueletos no armário".

Dória Jr ousou, sentindo que o momento era dele. Antes outros tentaram vender a idéia de gestor e não de político e fracassaram. Antônio Ermírio de Moraes foi o caso mais emblemático, embora tenha se perdido na história. Silvio Santos, um comunicador e empreendedor bem sucedido, mais do que Dória Jr também fracassou. Candidataram-se fora de época. Ainda não era o momento.

Dória Jr contrariou os grandes paradigmas eleitorais e fez das suas supostas fraquezas a grande força. Usou o seu "insight" empresarial, para ganhar mercado.
Fez da sua fortuna o seu ponto forte. Mostrou como resultado do seu esforço empreendedor. Ficou rico trabalhando. Apesar de ser de família tradicional (um paulista de 400 anos, como diriam os antigos), com um pai político e rico, que teria perdido tudo ao ser perseguido pelo regime militar - uma versão plausível - teria recomeçado do zero, ou de menos 1 - para se tornar proprietário de uma das dez mansões que mais pagam o IPTU. É um pequeno detalhe, mas relevante: não é uma das dez mansões mais caras de São Paulo. É uma das que mais pagam o imposto.

Foi além, fez da sua fortuna a imagem de que "não precisa roubar na Prefeitura" para ficar rico. Contrapondo-se à imagem de pobres operários ou mesmo médicos de classe média que se tornaram milionários durante ou após terem sido governo. Não disse isso, mas deixou a mensagem subliminar. Mais uma tática de comunicador moderno.

Fez mais. Com a careta que fez ao experimentar um pastel de feira ou algum quitute popular, que pode ter feito perder alguns votos, ganhou muitos votos. Daqueles que percebem que o candidato só aparece na periferia durante a campanha, procura agradar parecendo ser igual, mas depois somem. Sabem que é falso, embora agradem momentaneamente aos presentes. 

Dória Jr - premeditada ou autenticamente - mostrou que não é pobre, não tem hábitos de pobre, não é populista, como Russomanno e Marta. Mas vendeu a imagem de que vai cuidar melhor deles. "É só não roubar que vai ter mais dinheiro para a saúde". Não precisou dizer, mas passou a mensagem.

Embora tenha tido melhor desempenho nas regiões mais ricas da cidade, quem o elegeu foi a periferia, tomando os votos que originalmente iriam para Russomanno. É só avaliar a evolução das pesquisas para ver que os mesmos pontos que ele ganhava Russomanno perdia na mesma quantidade.

Os analistas apressados dirão que na disputa entre o PSDB e o PT o primeiro saiu vitorioso. E que o grande vencedor foi Geraldo Alckmin, saindo na frente para a disputa presidencial de 2018. São fatos objetivos, mas a interpretação não.

Geraldo Alckmin ganhou forças para sair como candidato do PSDB. Mas Aécio também ganhou. Quem ficou de fora neste momento, foi Serra. Mas não foi morto. Em 2018 um outro "Dória Jr" pode aparecer atropelando todo mundo

O que o resultado de São Paulo, que teve situações próximas, como em Porto Alegre, mostra é que a velha polarização dentro do lado esquerdo da política foi rompida - aparentemente de forma definitiva - fazendo reemergir o lado direito.


João Dória Jr representa a emergência de uma nova centro-direita, que tem como base eleitoral uma classe média jovem moderna. Ela sai às ruas e tem como principal bandeira a contestação aos políticos tradicionais - todos caracterizados como "ladrões" - e tem a adesão da classe pobre "imobilizada". Isto é da classe pobre que não sai às ruas por política, a não ser no dia a eleição.

Dória Jr foi o precursor dos grandes movimentos de rua da classe média, ao liderar, cerca de 10 anos atrás o movimento "Cansei". Não teve grande êxito, a sociedade estava encantada com a nova liderança, vinda da classe operária, com ações inovadoras. E em 2006 reelegeu Lula, vencendo Alckmin, o representante desse novo movimento, ainda embrionário. Ainda era cedo.

Em 2013, com Dilma no Governo Federal, eleita como um "poste" na esteira da hegemonia do lulismo, contra o "velho PSDB" representado por José Serra, um político da esquerda não populista, os "novos cansados" foram às ruas.

Não foram eles que começaram. O começo foi por um pequeno grupo de jovens de esquerda, contra o aumento da tarifa dos transportes coletivos públicos. O início confundiu a percepção dos fundamentos do movimento. No seu subsolo, alimentando as raízes estava a contestação ao quadro político percebido como tomados pela corrupção.

O PT que havia se tornando a maior força política organizada nacionalmente, com a sua bandeira da "ética na política", foi abalado com o "mensalão", mas conseguiu sobreviver, reelegendo Dilma Rousseff em 2014. Dessa vez vencendo o "hibrido" Aécio Neves, um herdeiro da "velha politica mineira", recepcionado pela centro-esquerda tucana, como herança das coligações dos movimentos anti-ditadura dos anos oitenta.
Esses movimentos que promoveram a redemocratização se cindiu - após a vitória - gerando uma tricotomia que está chegando ao fim. A era do grande embate entre o PT e o PSDB, a cisão da esquerda do movimento e do PMDB controlando o legislativo. Este chegando ao poder, sempre de forma indireta.

Em 2014 a "Operação Lava-Jato" já havia iniciado, mas ainda sem a repercussão que alcançou em 2015, e a jovem classe média paulistana, por iniciativas dispersas, não partidárias, voltou às ruas, com uma bandeira específica - o "impeachment" de Dilma - e uma bandeira mais ampla "Fora Todos". Não precisou voltar com a mesma força para que o impeachment afinal se efetivasse. E, coerentemente, com a sua bandeira geral, é favorável ao "Fora Temer", embora pouco se manifeste publicamente.

A sua manifestação de massa está na eleição de João Dória Jr, um esperto, competente e oportunista "néo político" que "montou no cavalo certo, no momento aparentemente certo". Com o apadrinhamento do Governador Alckmin, o mentor desse nova plumagem ou bico tucano.


O PSDB tem origem na centro-esquerda, unindo a democracia-cristã de Franco Montoro com a social - democracia de Mário Covas. Com o suporte intelectual e político de Fernando Henrique Cardoso.  Reunindo diversos militantes de esquerda, como José Serra, Aluysio Nunes Ferreira, José Aníbal, entre os mais evidentes. Dissentindo dos companheiros José Dirceu e outros que embarcaram e assumiram o barco petista, com Lula, na proa. Um histórica dissensão dentro da esquerda entre a social democracia e o socialismo. Inteiramente reconfigurado dentro da cultura brasileira. Mas que dominou amplamente a política brasileira nos últimos 30 anos. É uma era que está chegando ao fim. 2016 marca o grande domínio do PT. Mas o seu adversário também não é o mesmo.

O PSDB que emerge como suposto vitorioso é apenas o vencedor de um confronto decisivo, mas não de todo o campeonato.

O PSDB que se sairá melhor que o PT em 2016, não é a efetiva social democracia das suas origens. Alckmin não é um autêntico social-democrata. Como também João Dória Jr e João Leite não o são.

Mas poderiam representar uma nova social democracia, cujos contornos ainda não estão claros. Mas percebe-se que agrada ao eleitorado. Da mesma forma que a bandeira lulo-petista - com grande suporte financeiro - seduziu, no início do século, o eleitorado.

Enganam-se os que analisam 2016 como um tradicional embate entre os antigos PSDB e PT. Este último continua o mesmo. O PSDB não.

E para entender melhor o processo de 2016 é preciso ir além, com duas questões que ainda não consigo apreender com alguma clareza: o mistério do novo PSDB, o PSDB alckimista, e a derrocada do populismo. Embora esse marque algumas vitórias importantes.

(cont)


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