Comprar para empregar (1)

O momento crítico da economia brasileira decorre do enfraquecimento do consumo familiar, ou seja, das compras das pessoas físicas. Como a economia funciona num sistema circular, uma determinada causa identificada tem causas antecedentes não se podendo fixar num único ponto ou momento. 

O importante é que a quebra de alguma peça ou o "engasgo" de uma máquina, dentro do processo para ou retarda todo o conjunto.

O enfraquecimento da demanda pessoal foi geral, mas é preciso separar entre as compras de bens de consumo básicos que são comprados, em geral, à vista e os bens de consumo duráveis que são comprados, em geral, a prazo.

O comportamento do consumidor é diferente. E o  marketing ajuda a entender melhor a crise dos que os macroeconomistas. Esses universalizam o problema como falta de confiança. O que é uma generalização que não fornece os elementos adequados para as estratégias.

Os bens de consumo básicos são comprados em função da necessidade e dos preços. O consumidor busca os melhores preços e pode trocar marcas ou os produtos em função dos preços. Ou até deixar de comprar. O tomate ficou caro, então a salada vai ficar só com o verde. E os verdes que não subiram de preço.

A carne de boi subiu? Troca por frango ou suino. Ou recorre ao ovo. Este também subiu? Então reduz o consumo e alterna os dias de consumo. Alguns, pelo empobrecimento, não tem alternativas a não ser o racionamento. Mas a maioria dos consumidores continua com alternativas. Nos grandes centros, deixa de comprar no supermercado e busca as lojas de atacarejo.

As análises macroeconômicas considera esses comportamentos, mas joga tudo num panelão, mistura tudo e, como não consegue distinguir os sabores, joga um monte de sal, chamado confiança. Então quando não tem sal, tudo parece insosso. 

Em dois setores do varejo de bens de consumo não duráveis há uma pequena reação, que decorre de ajuste de comportamentos: tanto do consumidor, como do comerciante.

Até 2014, com a abertura do mercado e o real sobrevalorizado, ou seja, o dólar "barato", o mercado brasileiro de vestuário foi invadido pelos produtos chineses mais baratos. O comércio não teve dúvidas. Passou a ampliar as vendas dos produtos "made in China", tanto os "ling-ling", como as suas marcas próprias. 
Ainda hoje nas grandes lojas de vestuário, como a Riachuelo, Renner e outros, o consumidor vai encontrar marcas brasileiras, mas se for ver a etiqueta encontrará lá um "made in China" ou "made in Vietnam" ou outro paises.
Os produtores brasileiros tiveram que rebaixar os seus preços para concorrer com os "importados". O que beneficiou o consumidor.
Com o ajuste cambial, tornando o dólar caro, os importados ficaram caro. Os produtores nacionais acharam que era o momento da desforra e a oportunidade de recuperar as perdas ou ganhos menores e aumentaram os seus preços. O resultado é que os consumidores se retrairam e adiaram ou deixaram de comprar. Foi onde a correia travou e a máquina passou a funcionar em ritmo mais lento.

Agora o clima está operando a favor e contra a retomada da economia. 

No setor de vestuário, as lojas tem que abrir espaços para os produtos voltados para o frio. Para reduzir os estoques passaram a sucessivas promoções. Que não tiveram grande efeito. Mas com a chegada antecipada e forte do frio, tanto comerciantes como consumidores ficaram sem grandes opções. Tem que ajustar o guarda-roupa. 

O consumidor que estava adiando as compras, das roupas de verão, achou que deveria aproveitar a oportunidade das liquidações. Outros já tiveram que fazer as compras das roupas de inverno. E com isso, houve um estancamento da queda de consumo de vestuário. Parou de cair. Mas não há ainda elementos suficientes para avaliar se é momentânea ou uma tendência. 

Por outro lado, a inflação dos alimentos que tendia a cair, pela sazonalidade, tem sido alimentada por situações atípicas de alguns produtos como o feijão e hortaliças. De uma parte pela seca, de outra pelo excesso de chuvas. 

Mas, tirando alguns produtos, a carestia estaria menor e o consumo geral de alimentos também interrompeu o processo de queda.

Num primeiro momento, essas circunstâncias estancam as demissões no comércio. Novas admissões só com a sua continuidade.

Já os bens de consumo durável, comprados - em geral - a prazo, continuam empacados. A maior parte dos consumidores não leva em conta os juros, mas o tamanho da prestação. Estas estão acima da sua percepção de capacidade de pagamento. A sensação, em função do tamanho das prestações, é que os produtos ainda estão caros. Se a necessidade não é emergencial, entendem que ainda não é o melhor momento.

O problema maior do consumo das pessoas não é a confiança, mas a sensação de carestia. O que, em muitos casos, não é apenas de sensação, porque o seu dinheiro não é suficiente para pagar as contas. E já se endividou demais. 

A retomada da economia depende da mudança dessa percepção por parte dos consumidores finais. Se "tá tudo muito caro", ainda não chegamos "ao fundo do poço". 


 



 

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