Oratória não é suficiente

Diante de uma leitura burocrática do relator da Comissão Especial do Impeachment, o vibrante discurso do Advogado Geral da União, Eduardo Cardoso, dava a impressão de ser a peça de acusação.

Não obstante o seu brilhantismo, com uma bela e inegável oratória e atuação como advogado, a questão é saber se foi eficaz. Ou seja, se foi capaz de alcançar a seu favor corações e mentes dos indecisos e até converter votos de favoráveis ao impeachment. Não foi.

E como bom advogado usou alguns argumentos corretos, mas também falácias, sofismas e distorção de fatos.

Quando contestou a tese de má-fé e de dolo no caso dos decretos, mostrou que não há provas. O que é fato, mas ele bem sabe que em julgamento é difícil comprovar as intenções intrínsecas, as motivações pessoais. O que vale é a prova da ocorrência efetiva do fato e as circunstâncias externas. Ademais para configurar o crime de responsabilidade da Presidente não é necessário que seja doloso. Mesmo sendo culposo é crime. O que vai variar é a pena. 

Usou um exemplo popular infeliz. Se numa rodovia, a velocidade máxima foi reduzida de 80 para 60, os que circularam até a mudança naquela velocidade devem ser punidos? Pode haver a penalização retroativa. Não?

Mas vamos tomar o exemplo oposto. O motorista está a 80 km por hora num trecho de rodovia, em que a velocidade máxima é de 60. Ele é flagrado e punido. Mas em seguida a autoridade altera a velocidade máxima para 80 km. A infração dele é anulada? Não. 

Foi o que ocorreu com os decretos de suplementação. No momento em que foram firmados estava acima do limite. Não estavam dentro da autorização genérica dada pelo Congresso. Mas logo depois o limite foi alterado e os novos decretos, passaram a ser legais.

A infração foi cometida. A alteração posterior não anula a infração. A infração é um atentado à lei orçamentária. E como tal, crime de responsabilidade. 

Reitero o que tenho colocado anteriormente. Infração houve e é crime de responsabilidade. Uma infração leve que não justifica a aplicação da pena máxima. Afirmar que houve usurpação do poder do Congresso, como diz o relator, é fato, mas uma infração leve, culposa. Que algum tempo depois deixou de ser infração. É um exagero, do ponto de vista técnico e jurídico e, por isso, mesmo todo mundo antes fez e ninguém prestou atenção. Mas a Presidente teve o azar de ser pega. Como as decisões serão políticas ela pode pegar a pena máxima. 

Isso José Eduardo Cardoso não conseguiu desmentir apesar de usar a falácia de que a meta fiscal é anual. Ele omitiu propositadamente que a restrição imposta na lei orçamentária anual exige a demonstração da perspectiva de cumprimento da meta fiscal anual, segundo análises bimestrais. A autorização prevista na LOA estava inválida, no momento, da sua edição. Ela podia não saber e provavelmente não sabia. Mas o Ministro do Planejamento, atual Ministro da Fazenda sabia ou deveria saber, alertado pelos seus técnicos. Mas se todo mundo fazia anteriormente e ninguém foi punido, porque também não fazer? Mais uma vez: ela deu azar. Exatamente nesse dia e nessa hora havia, por acidente, um guarda rodoviário que viu a anotou a chapa. A infração foi registrada. 

O relatório Arantes não diz que foi azar, mas que a infração foi cometida e comprovada. Avança com a ilação de que houve dolo, o que não foi comprovado e desmentido. O advogado Zé Eduardo caiu na armadilha. Defendeu o adjetivo e deixou passar o substantivo.

Não ter conseguido afastar inteiramente essa questão foi o seu grande ponto fraco. 

Outro erro foi defender a desnecessidade de nova lei para pagar despesas obrigatórias, usando um sofisma que não foi levado em conta.

Ao contrário do que disse, mesmo para pagar despesas obrigatórias definidas por lei, é necessária autorização legislativa. O que é feito através da Lei Orçamentária Anual (LOA). Se a LOA não previu o Executivo é obrigado a abrir crédito adicional mediante prévia autorização legislativa. Se o fizer sem essa autorização está atentando contra a lei orçamentária. 

Mostrou pouco conhecimento sobre as normas constitucionais e legais das finanças públicas e não teve ou não quis uma assessoria competente. Ao contrário do relator que foi muito bem assessorado. 

Com a sua oratória vibrante, mas argumentos equivocados, Cardoso continuará tendo o apoio dos anti-impeachment, porém dificilmente conseguirá converter votos dos pró-impeachment. 

E também só conseguirá poucos indecisos porque não foi inteiramente convincente, apesar do seu discurso brilhante e inflamado. A oratória não foi suficiente.

Tinha um desafio hercúleo. Convencer, pelo menos 6 dos indecisos a votarem contra o impeachment na Comissão Especial e cerca de 50 deputados indecisos na Plenária da Câmara dos Deputados. Não alcançou o seu intento na Comissão e, segundo indicam os mapas do impeachment, também não conseguiu reverter a posição de indecisos que não eram membros da Comissão.

Não se deu conta que não estamos mais nos anos cinquenta, quando o notório golpista e um dos mais brilhante dos oradores no Congresso, Carlos Lacerda, convencia pelas palavras.

E Cardoso, acreditando no poder da oratória, ainda cometeu um grande erro estratégico, jogando a questão para a história. Afirmou várias vezes que a história não perdoa golpes contra a democracia.

Os deputados estão mais interessados com o que o seu eleitorado não perdoa. A história .... é para os historiadores.


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