Realidade urbana perversa

Em um evento realizado ontem, em São Paulo, o Presidente do IAB, o arquiteto Sérgio Magalhães, levantou uma questão inquietante: nos últimos 50 anos, desde a criação do BNH, o Brasil produziu mais de 50 milhões de habitação, dos quais menos de 10% o foram com financiamento. Sejam os bancários, como os programas de conjuntos habitacionais do BNH e do Minha Casa e Minha Vida e congêneres.
A quase totalidade das novas construções foram feitas com as poupança das famílias. O que leva logo às imagens das favelas e da autoconstrução. 
E mais, que mesmo com a estabilidade demográfica, em função da redução de pessoas por domicílio que está se reduzindo do nível de 3 pessoas, para 2, haverá necessidade construir - pelo menos - o equivalente a metade das cidades existentes: aumentar em 50% o número de habitações, nos próximos 50 anos.
Com grandes impactos sobre a necessidade de infraestrutura, principalmente a mobilidade urbana e os serviços de esgotos.

 Como sou um cético por natureza, fui checar os dados e os busquei no SIDRA (banco de dados do IBGE) as informações mais antiga da PNAD. Num primeiro momento só consegui chegar até 2001. Com os dados comparativos a 2014. 

Encontrei algumas inconsistências entre as diversas tabelas, então fixei numa que relaciona os domicilios com o atendimento de serviços de esgoto.

O resumo está na tabela 1 a seguir:


Situação  domicílio Esgotamento sanitário Tabela 1       
Domicílios particulares    Domicílios com serviço de esgoto
2001 2014 Variação %   2001 2014
Total Total 47.423 67.039 19.616 0,41   1,00 1,00
Tinham 43.796 65.607 21.811 0,50   0,92 0,98
Rede coletora 21.545 38.630 17.085 0,79   0,45 0,58
                 
Urbana Total 40.396 57.641 17.245 0,43   1,00 1,00
Tinham 39.127 57.277 18.150 0,46   0,97 0,99
Rede coletora 21.316 38.153 16.837 0,79   0,53 0,66
fonte: IBGE - SIDRA - PNAD
























Os dados acima confirmam a produção de cerca de 20 milhões de novas habitações, entre 2001 e 2014. Não levantamos os dados sobre os financiamentos, mas os conhecidos não alcançariam 4 milhões. Vamos verificar.



Situação  domicílio Esgotamento sanitário    




Moradores em domicílios particulares permanentes (Mil pessoas) Moradores por domicilio
2001 2014 Variação %
2001 2014
Total Total 171.791 202.486 30.695 17,9%
3,62 3,02
Tinham 156.923 197.650 40.727 26,0%
3,58 3,01
Rede coletora 74.147 113.033 38.886 52,4%
3,44 2,93
           
   
Urbana Total 144.084 172.192 28.108 19,5%
3,57 2,99
Tinham 139.252 171.090 31.838 22,9%
3,56 2,99
Rede coletora 73.287 111.456 38.169 52,1%
3,44 2,92
fonte: IBGE - SIDRA - PNAD        
   

Enquanto o número de moradores em domicílios particulares aumentou no período 17,9%, o número de moradias aumentou 41%, confirmando a colocação do Arquiteto Sérgio Magalhães de que mesmo com a estabilidade do tamanho da população, haverá necessidade de um significativo aumento da produção de habitações.   















Já na avaliação do atendimento por serviços de esgotos, ainda que tenha aumentado proporcionalmente o número de domicílios atendidos, parte do aumento não foi atendido. Ou seja, a melhoria dos serviços aumenta o atendimento dos que ainda não tinham o serviço, mas não consegue acompanhar todo aumento de domicílios.    














Outro dado relevante é que a quase totalidade dos domicílios urbanos conta com serviço de tratamento dos esgotos, mas ainda é baixo o percentual de atendimento pela rede coletora.














O que precisa ser discutido é se solução do saneamento está na universalização dos serviços públicos de coleta de esgotos ou são aceitáveis soluções menos complexas e caras como as fossas sépticas. 







A visão do saneamento é dominada pela visão das companhias de saneamento que querem "vender" os seus serviços, demonstrando a existência de um déficit enviesado. 






















Do ponto de vista sanitário, o fundamental é que haja o tratamento dos esgotos e não necessariamente a coleta pela rede pública. Até porque esses sistemas coletam, mas não tem capacidade de tratar.  















Dessa forma as soluções mais rudimentares são mais viáveis do ponto de vista econômico e ambiental.
























Outra questão que deve ser discutida é a participação da arquitetura e da engenharia na construção majoritária que tem características informais, tanto do ponto de vista empresarial, como trabalhista e profissional.















A maior parte dessas obras é feita por um "mestre de obra" ou por um "pedreiro experiente", que trabalha sem empresa e sem nota. Chama alguns colaboradores com pagamento em dinheiro sem recibo formal e com os descontos fiscais e previdenciários. E os profissionais não tem registro no CAU ou no CREA. Como não se valem de profissionais registrados, são consideradas obras sem engenharia e sem arquitetura. É a visão corporativa dos profissionais. 
















Na realidade são obras que tem engenharia e arquitetura, mas não tem engenheiros com CREA, tampouco arquitetos com CAU. 
















Como os números demonstraram a realidade, que continua não sendo aceita, os formais são minoria. E a maioria não pode ser considerada marginal ou minoria .














A engenharia e arquitetura formal precisam mudar paradigmas e encontrar novas formas de atuação sobre essa realidade para melhorar a vida das pessoas na cidade.

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