A "Nova Ordem"



A cultura da corrupção não é privilégio do Brasil, tampouco é uma condição recente.

Remonta aos primórdios da descoberta do Brasil, mas foi incorporada à vida social e  empresarial com a vida da família real em 1808, quando se institucionalizou o processo de extorsão (ou achaque) pelos nobres da corte sobre os comerciantes.

O processo corruptivo começa com a cobrança de propina, pelos servidores públicos, junto aos empresários que tem necessidade de uma licença, obrigação de pagamento, ou querem obter um contrato com a Administração Pública.

Tornada uma cultura, ou seja, incorporada aos usos e costumes, ainda que ilegal, empresários tomam a iniciativa e subornam a autoridade pública.

Embora fosse uma prática renitente dentro da Administração Pública Brasileira os processos corruptivos de disseminaram e se ampliaram, impulsionados por dois fatores:

  • A enorme ampliação dos custos das campanhas eleitorais decorrente da disponibilidade de tempo “gratuito” de televisão e rádio para os partidos políticos. Para bem aproveitar esse tempo e conseguir resultados eficazes, montaram-se grandes esquemas de marketing politico, engedrados por brilhantes profissionais, pagos a peso de ouro;
  • A assunção ao poder de pessoas com baixa renda que perceberam ao ganhar autoridade de poder se enriquecer.

Com a disseminação das práticas esses procedimentos, apesar de serem ilegais foram assumidos como normais e como a regra do jogo.

"Se os outros fizeram, se todo mundo faz, por que eu não posso fazer?"

Tornada regra do jogo, quem não atende a regra, fica fora do jogo. Quem não paga a propina estabelecida, não consegue contratos com o Governo. Quem consegue contratar não recebe.

Quem tentava furar a regra,  desistia mais a frente ou quebrava.

Não pagar a propina para o fiscal significava não poder continuar como empresário.

“Mordida” era o normal. Não aceitar era exceção.

Denunciar então: um crime contra o sistema.



Ocorreram  grandes mudanças no ambiente:

A primeira o cansaço da sociedade civil organizada com a leniência com a cultura da corrupção, aceitando a tese de que sem ela o país não anda. Não se desenvolve, não gera empregos.
A reação veio na aprovação de duas medidas legais:

  • Lei da ficha limpa;
  • Lei anticorrupção.

A segunda a emergência de uma nova geração de juízes e promotores não comprometidos com a “velha ordem”, e inaceitando a corrupção como usual e natural.

A Operação Lava Jato, iniciado por investigações sobre lavagem de dinheiro, chegou à Petrobras. Por decisão do Juiz Sérgio Moro, apoiado pelas instâncias superiores, teve continuidade, sem temer a relevância econômica ou  política dos envolvidos. Grandes empresários foram presos e alguns já condenados. Políticos sem foro privilegiado também.

O destemor, às vezes excessivo, do Juiz Sérgio Moro incentivou outros juízes e procuradores a darem continuidade a processos que anteriormente morriam, no meio do caminho.

Agora os processos correm no Rio de Janeiro, em Brasília, em São Paulo, em Pernambuco e seguirão se ampliando sucessivamente.

Ninguém que jogava dentro das regras anteriores, está livre de receber os “homens de preto”, na madrugada. Ainda que não seja o japonês.

A Lava Jato é apenas o começo de um processo que vai se prolongar por muitos anos.



Algumas grandes mudanças estão presentes, embora nem todos percebam, acostumados que estão com a “velha ordem”:

  • Aceitar “mordida” é risco total:

Não importa a relevância da vítima.

O Presidente do Bradesco virou réu de um processo apenas porque recebeu em sua sala, um “mordedor”. Mesmo não tendo aceito a mordida.



Todo um conjunto de comportamentos, desde os mais simples aos mais complexos, que eram absolutamente normais  deixaram de ser:

  • Vc não pode mais ter cartão de crédito da empresa para pagar o almoço de uma  autoridade pública, mesmo que ele seja um velho amigo.

  • Qualquer informação de autoridade – seja pública, como privada – tem que ser divulgada e compartilhada. Aplica-se, por exemplo,  para empresa que tem ação na Bolsa de Valores.


A “nova ordem” é comandada por grupos de juízes e promotores, jovens de grande competência jurídica, mas com pouca ou nenhuma experiência empresarial ou de conhecimento como funcionam as empresas. Assim como se formulam e se praticam as estratégias empresariais e os mecanismos reais de gestão.

Alguns tem formação complementar em cursos de administração, onde aprenderam as teorias de gestão. Mas sem a prática.

Os seus princípios, conceitos, lógicas e prioridades não são as mesmas dos empresários:

Pouco entendem, pouco conhecem, mas do que conhecem não gostam.

Os empresários ficam contrariados e até indignados com a ignorância e a incompreensão dos paladinos da nova ordem.

Mas tem que se curvar à realidade e perceber que eles estão ganhando a guerra.

Se ajustam ou correm o risco de debacle econômica e financeira.

Eles estão ganhando a guerra porque estão atingindo o coração dos negócios da empresa, dentro do ambiente atual: não é a prisão, que é temporária e pode ser minimizada pela delação premiada. É a marca e reputação da empresa, afetando o valor das suas ações e os negócios futuros.



Quando saiu a lei anticorrupção (12.846), em agosto de 2013 a reação usual do meio empresarial foi: “A lei não vai pegar”.
E não pegou de imediato. A sua regulamentação demorou meses para sair e não faltaram proposições para alterar.

Na ocasião não havia ainda qualquer sinal da Operação Lava Jato. O “petrolão” corria solto dentro da Petrobras, mas sem conhecimento público.
A mudança principal não foi a lei, mas a “Nova Ordem” pregada e praticada pela “República de Curitiba”. Instaurou-se e se disseminou.
Com apoio da sociedade e das instâncias superiores do Judiciário.

Ao perceber que não teria êxito no STJ e no STM, Lula recorreu à Comissão de Direitos Humanos da ONU. 

O Brasil não vive mais a "Velha Ordem", onde as práticas corruptivas, embora ilegais, eram aceitas e assumidas como normais. Onde, caixa dois era apenas um mecanismo usual, apenas não contabilizada oficialmente.  Onde o empresário, ou aceitava a "regra do jogo" ou ficava fora do jogo. 

A "Nova Ordem" já chegou, mas muitos empresários e servidores públicos corruptos ainda não acreditam. E continuam seguindo as mesmas práticas. 

Só irão perceber concretamente, quando em qualquer madrugada, por volta das 6 hs da manhã, tiver que receber os "homens de preto".

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