Menor preço ou menor gasto

A engenharia reclama muito da prevalência, nas licitações públicas, do critério de seleção pelo menor preço. O que a opõe à visão da sociedade que entende ser o menor preço o critério o de maior economia para o Poder Público. 
Seria ainda o critério mais objetivo, eliminando fatores subjetivos que podem ser estabelecidos para favorecer um ou outro, em licitações previamente ajustadas. Eliminaria ou reduziria as probabilidades de corrupção. O que na prática não tem ocorrido. A Operação Lava-Jato comprovou.
Não obstante, os órgãos de controle, as autoridades contratantes e a sociedade defendem o critério para as licitações públicas. 

Ocorre, na prática, uma confusão entre menor gasto e menor preço. O menor gasto decorre da especificação do produto ou obra a ser contratada. O menor preço é os das ofertas do produto especificado.

Usando uma comparação mais comum para circular na cidade o turista pode alugar um veículo básico, por exemplo, um Pálio, motor 1.0, de câmbio manual, sem direção hidráulica e sem ar condicionado, ou um veículo mais confortável, da própria marca, um Bravo, 4 portas, com direção hidráulica, ar condicionado e motor 1.4. Buscará então entre as locadoras a que ofereça o menor preço para cada categoria. 

O menor preço obtido na locação do Bravo não corresponderá ao menor gasto. Esse será o preço da locação do Pálio. O que poderá não satisfazer as suas necessidades. Se no dia quente chover o locatário se arrependerá da sua escolha.

O mesmo ocorre com as especificações da obra o que é definida pelo projeto. Se o projeto definir uma solução que envolve maior custo de construção, o menor preço do contrato não corresponderá ao menor gasto com a obra.

O que convém à sociedade não é o menor preço obtido numa licitação, mas o menor gasto com uma solução que atenda às suas necessidades ou aspirações.

A solução mais adequada será dada pelo projeto de engenharia, o que depende - essencialmente - da competência técnica do projetista. E, como em todas as profissões, o mais competente vale e custa mais. 

O mais competente dará uma solução para o atendimento da mesma necessidade com um projeto de obra que envolverá menor custo, menor gasto na sua implantação. Uma solução menos competente poderá, por exemplo, exagerar no uso dos materiais, para garantir a segurança. E em outros itens que encarecem o custo da obra.

Quando em uma licitação de obra um concorrente oferece um desconto grande, digamos de 40% enquanto os demais ficam em descontos entre 3 a 7%, das duas uma: o concorrente ao analisar o projeto básico de referência para a licitação encontrou margens (ou "gorduras") que lhe permitirá, com o devido ajuste do projeto, executar a obra com menor custo ou  "tem esquema".  Neste último caso a empreiteira apoiou ou até financiou parcialmente a elaboração de um projeto superdimensionado em que ele, de antemão, sabe onde estão essas "gorduras". 

Para a sociedade, a autoridade apresenta o desconto (ou deságio) como um grande ganho para o Governo e para o contribuinte. O que é um engodo, viável dentro de uma sociedade, mídia  e autoridades com pouco conhecimento sobre engenharia. No que a engenharia não ajuda, porque nunca tem explicações simples. Sempre quer mostrar que a questão é complexa. Tenta justificar com explicações técnicas e detalhadas que os leigos não alcançam. Sempre deixam a impressão de que estão tentando "enrolar" os supostos ignorantes que não entendem de engenharia. Com a soberba do domínio técnico só ganham a antipatia da mídia que transmite à sociedade essa visão.

Uma das reações psicológicas naturais de quem é tratado como ignorante é se colocar contra o outro. O Brasil conta com engenheiros muito competentes tecnicamente mas, provavelmente, falta lhes humildade. 

Por terem sido muito importantes e admirados no passado, não perceberam que as circunstâncias mudaram. A admiração pública pela sua competência, pela capacidade de dar soluções a desafios complexos foi destruída por fatores correlatos. Evidentemente, a implantação da primeira linha metroviária, na cidade de São Paulo, conduzida por engenheiros brasileiros, foi um grande feito  histórico e técnico. Mas as linhas adicionais já não foram tão admiradas e o que a  sociedade paulista hoje reclama é a reduzida extensão do sistema. Quando outras cidades no mundo avançam mais rapidamente na ampliação da sua rede, para a sociedade essa demora de ampliação no Brasil é vista como "falta de competência". E esquece os fatos histórico que ficam apenas na memória dos protagonista dos feitos, há 40 anos atrás.

O engenheiro Plinio Oswaldo Assmann, presidente da Cia. do Metrô que conduziu a implantação da primeira linha metroviária, com apoio de uma competente e dedicada equipe técnica e gerencial, ainda é cultuado pelos colegas, tendo sido eleito, recentemente o "Engenheiro Eminente do Ano" pelo Instituto de Engenharia. Mas hoje é um ilustre desconhecido pelo resto da sociedade. 

A engenharia brasileira numa inglória luta contra o menor preço, quando esse tornou-se um mantra da sociedade. Que confunde e acredita que menor preço é igual a menor gasto.

O prioritário não é o preço mas a qualidade do projeto de engenharia. O melhor gasto decorrerá da melhor solução técnica-econômica. E isso só será possível com a elaboração prévia de um projeto completo.

















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