Reindustrialização para o mercado interno - Ilusões nacional-desenvolvimentistas

Uma interessante entrevista do eterno nacional-desenvolvimentista Carlos Lessa, chama atenção para um ponto interessante da industrialização brasileira:"Quando nós sonhamos com o desenvolvimento industrial, nós o fizemos com um salto cujo centro foi instalação da indústria metal
mecânica tendo a automobilística no seu coração."

" O segundo item (do projeto nacional) é o deslocamento do epicentro de atividade da economia brasileira do núcleo metal mecânico para outro grupo. Qual o outro grupo possível?"

A escolha e sua manutenção decorreu de uma conjugação de três forças: uma demanda social pelo automóvel, a indústria automobilistica totalmente dominada por  multinacionais e os trabalhadores organizados, inicialmente, em torno do Sindicato dos Metalúrgicos e posteriormente na CUT.

A origem está no desejo dos metalúrgicos em melhorar a sua renda para poderem comprar os bens que ajudavam a produzir. Esse desejo consumista que fez emergir Lula, como um líder sindical e depois a conquista do poder. 

Isso faz com que os governos petistas sempre apoiem em primeiro lugar a indústria automobilística em nome da preservação dos empregos dos metalúrgicos.

Mas o sonho de consumo inicial não era o automóvel, mas os eletrodomésticos, também do grupo da indústria metal-mecânica. Começando pelos fogões que nem elétricos são, o radinho, a geladeira e assim por diante. A televisão, com as suas suas sucessivas evoluções é ainda um dos principais desejos de consumo.

São produtos de intenso  consumo doméstico e que aumentam com a melhoria da renda, principalmente das classes de renda mais baixa.

Dentro do processo de industrialização, por substituição de importações, emergiram diversos grupos nacionais: a Dako em fogões, Climax (Industria Pereira Lopes), Prosdócimo, Brastemp e Consul em geladeiras, Semp e CCE em televisão, além da Invictus e outros tantos.

Nenhuma das marcas nacionais se tornou multinacional, com exceção da Consul, mas adquirida pela Whirpool. Todas as demais se limitaram ao mercado nacional e sucumbiram, algumas incorporadas pelas multinacionais e outras simplesmente por quebra e abandono do mercado. A Brastemp ainda persiste e como lider de mercado em algumas linhas, mas controlada pela Whirpool. Essa multinacional manteve as marcas nacionais. A Semp ainda sobrevive, mas associada à Toshiba. 

A indústria dos eletrodomésticos, tanto da linha branca, como marrom, embora com menor visibilidade do que a automobilística foi dominada pela onda da multinacionalização, com desnacionalização.

O processo começou com as tradicionais multinacionais dos paises desenvolvidos: a GE, a Philips e a GM. Esta se dedicava à produção de geladeiras com a marca Frigidaire. 

Uma segunda onda ocorreu com a chegada das multinacionais japonesas, com a Toshiba, Sony e Panasonic. A Sharp é um caso inverso, com uma empresa brasileira licenciada da marca japonesa. Não sobreviveu ao falecimento do seu fundador.

A Electrolux, multinacional de origem sueca, com uma pequena presença através da importação de seus produtos, ampliou a sua atuação mundial através da aquisição de empresas e marcas como a Frigidaire, popularizada pela GM e sinônimo de refrigerador. Passou a ser produtora no Brasil, com a aquisição da Prodóscimo, que já havia adquirido a Climax - Ibesa. 

O fim das empresas nacionais marca também o fim de uma "burguesia industrial nacional", com a qual os nacional-desenvolvimentistas contavam para promover o desenvolvimento da economia brasileira. Não há mais uma liderança industrial brasileira.

Mas a ampliação da multinacionalização ocorreu após a abertura da economia, com a tomada do mercado pelas "campeãs nacionais sulcoreanas": Samsung e LG.

A Coréia do Sul, mesmo não tendo um mercado interno de vulto, selecionou, entre outros, a indústria de eletrodomésticos, principalmente da linha marrom, como os setores estratégicos do desenvolvimento industrial e econômico. A partir da política de campeões nacionais promoveu o desenvolvimento de empresas do setor, com grande apoio às atividades de pesquisa & desenvolvimento. 

E a transformou em líderes mundiais em alguns setores, com as suas duas principais empresas alternando entre os primeiros lugares.

Como e quando o Brasil perdeu o rumo da industrialização dos setor de eletroeletrônicos domésticos?

A desindustrialização, no caso, é caracterizado pela perda de posição dos produtos no mercado interno, seja dos produtos finais, como do valor adicionado. Há um crescente volume de produtos finais importados e mesmo os produzidos no país, pelas multinacionais, incorporam uma grande participação de componentes importados, sendo apenas montados ou acabados em território nacional, como "made in Brasil".

Tendo em vista o tamanho do mercado interno seria possível uma reindustrialização e mesmo uma renacionalização?

A renacionalização poderá ser uma consequência da reindustrialização, não havendo espaço e oportunidades para novos entrantes "começando do zero".

A reindustrialização seria então um aumento do valor adicionado em território nacional, com aumento dos empregos. Ainda que realizado pelas multinacionais.

Para avaliar a viabilidade da reindustrialização é preciso voltar aos momentos que determinaram a industrialização e a desindustrialização.

A industrialização do setor ocorreu no bojo da industrialização substituidora de importações, sustentada por uma economia fechada. Nessa fase emergiram algumas indústrias nacionais, como a Pereira Lopes (geladeiras Climax), Prosdóscimo, Brastemp, Consul e outros.

Essas empresas sofreram o primeiro baque com a implantação da Zona Franca de Manaus, um grande equívoco da política industrial brasileira, ainda persistente, por ter sido concebido dentro da ideologia da industrialização para o mercado interno.

As Zonas Francas foram concebidas e implantadas em diversos paises do mundo, como plataformas globais, agregando valor local a insumos importados para a exportação do produto final. Em geral produtos montados.

A Zona Franca de Manaus implantada para promover o desenvolvimento regional da Amazônia, criando oportunidades de emprego e trabalho, ainda que se baixa remuneração, importa insumos, monta ou acaba os produtos e os exporta: para o resto do Brasil.

Ao contrário dos seus similares no mundo, no qual teria se inspirado não é uma Zona de Processamento de Exportações. É uma zona de processamento de importações.

As indústrias de eletro-doméstico fora da ZFM, principalmente no sudeste e no sul do Brasil, dependendo de insumos mais caros produzidos na região e sem grande investimentos em inovação tecnlógica não tiveram como concorrer com as empresas instaladas naquela região. Algumas foram se instalar lá.

Com a abertura mais ampla da economia brasileira, facultando a maior importação de insumos, assim como de produtos finais, a ZFM perdeu relevancia. 

A indústria nacional do sul-sudeste não conseguiu concorrer com os produtos finais importados, principalmente em função da defasagem tecnológica. Com um mercado reservado não se preocuparam em avançar tecnologicamente e quando ocorreu a abertura as suas "carroças" não tiveram condições de concorrer com os modernos produtos desenvolvidos pelos concorrentes, mundo afora.

Acabaram sendo adquiridos pelas multinacionais.

Para a reindustrialização do setor uma das primeiras condiçoes é virar a chave da Zona Franca de Manaus. Torná-la, efetivamente, uma plataforma de inserção global, voltando-se também para o suprimento mundial. Isto é passando a ser também exportadora, com objetivo adicional de superavit comercial.

Essa estratégia de reindustrialização através da ZFM tem a resistência das indústrias e dos trabalhadores do sul-sudeste, que ficariam em condições de desigualdade com as unidades instaladas na ZFM.

Já a renacionalização é mais difícil. Que investidores ou empreendedores estariam dispostos a concorrer com as multinacionais do setor de eletrodomésticos? Mesmo em território brasileiro?

A industrialização dos materiais de construção


O setor de materiais de construção é outro citado por Carlos Lessa:
"...ao setor de engenharia civil, as empresas de engenharia, e os fabricantes de componentes ligados ao setor, que é predominantemente nacional: cimento, ferro de construção, material cerâmico, tintas, etc.." 

A indústria de cimento produzido no país ainda domina inteiramente o mercado, com um pequeno volume de importações. Mas a estrutura empresarial está em processo de desnacionalização e multinacionalização. Houve um processo de desnacionalização empresarial com o ingresso de cimenteiras portuguesas, mas o processo se inverteu, com a compra delas internacionalmente pelo Grupo Camargo Correa que com isso tornou-se uma multinacional do setor. 



Os dois maiores grupos nacionais, Votorantim e João Santos, seguem quase que inteiramente voltados para o mercado nacional, com pequenas exportações para a América do Sul. 

A principal multinacionalização se deu com o ingresso das duas das principais cimenteiras mundiais, a Holcim e a Lafrage, que se fundiram recentemente para se tornar a maior empresa mundial do setor.
Cabe ressaltar que a maior empresa do setor, até então, era uma empresa de um pais emergente: a CEMEX de origem mexicana.

O setor de ferro de construção também o suprimento é inteiramente nacional, com pequenas exceções, com o predomínio de uma empresa nacional: a Gerdau. Que tem, no entanto, a concorrência do maior grupo siderúrgico mundial: a Acelor Mittal. hoje com um ampla presença no mercado nacional. 

Tanto um quanto outro não sofreram uma desindustrialização, mas estão sob constantes riscos de perda de mercado em função dos avanços e mudanças tecnológicas.

Já o setor de revestimentos cerâmicos, sob controle inteiramente de médias e grandes empresas nacionais, não havendo destaque para nenhuma megaempresa multinacional, vem sofrendo um processo de desindustrialização. Eliane e Cecrisa seriam as maiores empresas, ambas ainda sob controle familiar.

Participou do "boom" das exportações do início do século, mas perdeu mercados externos e também no mercado interno para os produtos chineses. Os chineses adotaram para o setor o seu modelo de mega unidades voltadas para o mercado mundial, e quando amadureceram, invadiram esse mercado deslocando tradicionais fornecedores, entre eles o Brasil. 

Uma eventual recuperação do setor depende de avanços tecnologicos e mega escalas de produção, condições inexistentes no país. Não são expectativas favoráveis para a reindustrialização, mas que requerem um grande esforço de sustentação.

O mercado de tintas é dominado por duas grandes multinacionais do ramo químico, sendo tintas uma das suas divisões: A BASF que tem cerca de 40% do mercado com a marca Suvinil e a Akzo Nobel com as Tintas Coral. As suas produções atendem ao mercado interno, mas não exportam. 

É outro segmento industrial que precisa se sustentar e não tem condições de alavancar a reindustrialização, a menos de substancial mudança de estratégia das multinacionais.














 

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