A cultura da torcida

Há dois traços culturais do brasileiro: o do "jeitinho" e o da torcida.
O segundo trataremos aqui. O primeiro, mais conhecido, trataremos em outro artigo. 

A cultura da torcida é ampla e conhecida em relação ao futebol. Todo mundo torce para um time de futebol. Podem ser apenas apreciadores ou radicalmente fanáticos. Há exceções, mas são poucas.

Por conta disso o futebol ocupa grande parte do tempo das pessoas. É a conversa mais comum em roda de amigos. Gera amizades, relacionamentos e inimizades. 

A sociedade brasileira está vivendo um momento atípico, mas com a mesma base cultural: a da torcida.

O futebol deixou de ser a pauta principal das conversas de bar, como de outras: o domínio agora é da política. 

Não o exercício da política, em si, mas a divisão entre "clubes" e da torcida em relação a esses. 

O que se viu nos últimos dias 13 e 18 de março de 2016 na Avenida Paulista foram as grandes reuniões de torcidas contrárias, mas sem confronto. Cada qual no seu dia. A disputa é sobre os números. A mobilização e distinção ocorreu em outras cidades. Cada qual contemplando e aplaudindo a torcida organizada que veste a camisa do "seu time": predominantemente amarelo num e vermelho em outro.

De um lado estão as torcidas do "Somos todos Moro", "Fora Dilma, Fora PT", "Lula na cadeia" e de outro as do "Lula, guerreiro do Brasil", "Dilma Fica", "não vai ter golpe".

Com essa visão de torcida a emoção fala mais que a razão e os confrontos mais exacerbados. Mas não chegou a descambar para a violência. 

Os analistas caracterizam esse fenômeno como uma "fla-flurização" da política brasileira: um clima de Fla x Flu, que remonta à classica rivalidade entre Flamengo e Fluminense no Rio de Janeiro, que se espalha por todo o Brasil. Mas se repete entre o  Corinthinas x Palmeiras, Gre-nal, Cruzeiro x Atlético Mineiro, Náutico x Sport e outros tantos.

O fundamento maior desse processo é um traço cultural da humanidade que no Brasil, sempre se evidenciou em relação ao futebol. Tornando-o uma paixão nacional. Pequenos grupos ativos se enfrentam. No caso do futebol, onze contra onze. Mas multidões acompanham torcendo por um ou por outro lado.

A transferência do foco do torcedor passando do futebol para a política decorre de dois fatores, conjugados.

De um lado o enfraquecimento do futebol brasileiro diante dos avanços do futebol europeu. O colapso da seleção da CBF perante o da Alemanha foi apenas a confirmação da decadência e gerador de um crescente desânimo com as disputas internas. Atualmente há pouco interesse popular pelos jogos do futebol brasileiro, mesmo estando em curso a disputa da Taça Liberadores da América, o principal certame sul-americano.

De outro, o retorno à dicotomia política com a perda do poder  hegemônico do PT, conquistado com base no domínio do eleitorado mais pobre e iletrado. O PT e suas lideranças prometeram livrar esse eleitorado do jugo da classe média tradicional, que dominava o pensamento nacional.

Essa classe média, perdendo o seu poder de influência, sobre os que considera "sem noção", sem capacidade de organização política e partidária, percebia, com receio crescente, mas sem qualquer reação vigorosa, o avanço e a consolidação petista no poder. Que erigiu como grande líder e mito o ex-metalúrgico Lula.

A atitude majoritária dessa classe média tradicional e conservadora era de conformismo. O que foi acompanhada pela desmobilização da torcida vermelha. Não havia maior interesse da sociedade pelo jogo político. Apesar da grande insatisfação subjacente.

A revelação de um mega esquema de corrupção dentro da Petrobras alimentando os cofres do PT e, também o bolso de alguns dos seus dirigentes, gerou uma mobilização difusa, não partidária. Ou melhor, antipartidária. Um lado é claro. É o PT, que é Governo, no âmbito federal. O outro lado é difuso sem liderança partidária e sem defesa de qualquer outro partido. A suposta liderança é forjada pelo PT que precisa personificar o seu adversário.  O que melhor conseguiu foi estabelecer a imagem do "coxinha". Mas não existe de fato uma liderança forte dos "coxinhas". São fofos e derretidos.

O grupo oponente ao PT não tem uma liderança política mas tem o seu herói, o seu ícone: O Juiz Sérgio Moro. 

É uma situação esdrúxula. De um lado um time organizado. Bem caracterizado, inclusive com um uniforme bem definido: de cor vermelha. De outro um quadro difuso, que na falta de um uniforme próprio coloca as cores da bandeira brasileira. Alguns torcedores se assumem que o seu time é o Brasil. O que é contestado pelo adversário. Como não conseguiu evitar a apropriação do país e da sua marca, traz a público a figura do "povo brasileiro".  Criou-se uma disputa de imagem entre o Povo Brasileiro x Brasil.

O inimigo do primeiro é o juiz. Porque ele insiste em aplicar o regulamento. E o outro lado o apoia, mas continua jogando mal e não faz gol.

Então a torcida se divide entre o time vermelho e os favoráveis ao juiz. O time adversário é sempre desprezado.

A torcida do "Brasil" defende o Juiz Sérgio Moro e é contra Dilma, contra Lula e contra o PT. Mesmo não tendo proposta ou nomes alternativos. Não se importa com isso. Acredita que as coisas irão melhorar sem aqueles. 

A torcida do "povo brasileiro" está na defensiva. O seu time está perdendo, levando um gol atrás do outro. Ao tentar um contra-ataque, com Lula Ministro, levou mais um.  Precisa ficar na retranca para evitar mais gols. Mas, por outro lado, precisa empatar o jogo e ainda marcar um gol salvador, ainda que no tempo adicional. 

Essa torcida que estava retraida, encolhida voltou a se manifestar com toda a sua força. Não foi maior que a do adversário, mas é mais experiente, mais aguerrida, mais organizada e conta com lideranças visíveis e atuantes. 

E tanto de um lado como de outro estão as "torcidas organizadas" que reunem os mais radicais, que não  hesitam em usar a violência, no confronto com os oponentes. E cada lado está provocando o outro para ter o seu mártir. 

Estamos no final deste campeonato com jogos decisivos. O processo de impeachment da Presidente já começou a andar na Câmara dos Deputados e se tornou inevitável. Não tem mais como adiar os jogos. O Governo tem que tentar ganhar o jogo na Câmara para evitar "o jogo de volta". Que será no Senado. E se tiver esse jogo ganhar ai. Em duas etapas: evitar o julgamento, o que já implicaria no afastamento por 180 dias. E se processado o julgamento, vencer esse jogo decisivo.

Ainda que ganhe esse campeonato não está livre de outros processos que poderão ser iniciados na Câmara dos Deputados. E ainda tem a disputa do Tribunal Superior Eleitoral - TSE, onde a chapa Dilma-Temer está com o seu registro contestado. Se o TSE julgar a favor do cancelamento, ficam impedidos tanto a Presidente, como o seu vice Michel Temer. E o tribunal terá que decidir sobre a forma de substituição. Se for pela posse do candidato perdedor Aécio Neves, parte das duas torcidas tenderão a se reunir contra uma terceira, minoritária. Nenhuma das duas quer Aécio como Presidente. Mas esse também conta com a sua torcida.

O fato é que o Brasil está dividido entre torcidas.    

  



 
 

  

 
  

 

     

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