Uma avaliação estratégica

O episódio da já esperada denúncia de Eduardo Cunha, pelo Procurador Geral da República, tem sido analisado preponderantemente sob um ponto de vista de torcedor, com prevalência da torcida contra Eduardo Cunha. 
O que leva a avaliações incorretas sobre as perspectivas do cenário político brasileiro.

Eduardo Cunha é um político ousado, aético, que se não é um grande bandido, parece ser. Ele tem a ousadia dos "canalhas".

Vamos supor (como gostam os economistas, mas aqui para efeito de avaliação estratégica) que ele o seja e de "alto coturno". Se assim for será um profissional e não um amador. Não adotaria procedimentos primários, deixando rastros visíveis da suas práticas criminosas.

A suposição contrária se baseia na certeza da impunidade e que, portanto, as coisas foram feitas sem o devido cuidado.

Assumindo a hipótese da bandidagem, tudo o que foi relatado pelo Ministério Público Federal seria verdade, mas pelo domínio de fato e não por comprovações cabais, a menos de informações ou confissões pessoais, não comprovadas por testemunhas.

O fato inicial seria o loteamento de cargos dentro da diretoria da Petrobras, cabendo ao PMDB a Diretoria Internacional, que tinha a seu cargo um imenso volume de recursos seja pela atuação da Petrobras no exterior, como pelas importações de equipamentos. 

Dentro do plano de investimentos da Petrobras havia a necessidade de adquirir navios sonda, para inicial a exploração de petróleo em alto mar. A perspectiva era de aquisição de grandes quantidades, dentro de um mercado aquecido e para isso foi definida uma estratégia de criar uma capacidade nacional de fabricação das sondas, mas antecipar a frota mediante aquisições no mercado internacional. Dentro dessa perspectiva, um tradicional intermediário comercial, com larga penetração na Petrobras e no mercado internacional, atuou, de um lado no convencimento do então Diretor da Área Internacional a assumir a proposta de aquisição de dois navios sonda e levou essa possibilidade a fornecedores asiáticos que se interessaram pelo negócio. O formato era de um fornecimento sem licitação, mas com uma comissão relativamente alta para o tipo e volume do negócio: 5% do valor do fornecimento. Isso porque dentro da taxa de comercialização, estariam embutidas propinas aos representantes da contratante, ou seja, da Petrobras.

Como é usual nesse tipo de negócio, o fornecedor estrangeiro aceita pagar a comissão maior, contratada formalmente, mas passa a total responsabilidade pelas propinas ao intermediário, evitando conhecer os detalhes dessas operações. É uma forma de se resguardar contra qualquer eventualidade de investigações. As suas operações são formais, documentadas e transparentes. O que o intermediário faz com o dinheiro da comissão "não é da sua conta" e "nada sabe o que foi feito".

O intermediário recebe o valor das comissões da empresa estrangeira, em moeda estrangeira e em contas no exterior. Para todos os tributos devidos e não tem que esconder a conta, pois é tudo regular. Não tem que lavar esse dinheiro, uma vez que não é sujo.

Mas a partir dai começa todo um percurso ilícito, para transferir as partes combinadas com os demais protagonistas.

Os demais protagonistas diretos são dois: o então diretor da área internacional Nestor Cerveró e Fernando Baiano, que atuaria como "operador", isto é, como intermediário dos políticos do PMDB. Tanto um quanto o outro receberiam a sua parte em contas no exterior. As justificativas das transferências seriam contratos de falsa prestação de serviços. 

O intermediário que recebeu a comissão dos fornecedores, Julio Camargo firmou um acordo de delação premiada e informou à força-tarefa da Operação Lava-Jato as suas contas e sua movimentação. Coube à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, com o apoio das diversas autoridades dos países sedes das contas, tentar identificar os proprietários das contas. Em geral sob titularidade de empresas "off-shore", sem a devida identificação dos reais proprietários. O procedimento aceito por vários países é o bloqueio da conta e a espera de que os reais proprietários apareçam para reclamar do bloqueio. Caso não apareçam, as autoridades brasileiras pedem a transferência dos valores para o Brasil. 

Como Nestor Cerveró, tampouco Fernando Baiano não fizeram acordos de delação premiada, tampouco teriam confessados serem titulares das contas apontadas por Julio Camargo essas titularidades foram deduzidas pelas autoridades da Operação Lava-Jato, culminando na condenação deles pelo Juiz Sérgio Moro. Eles recorreram, mas ainda não há decisões das instâncias superiores. A perspectiva maior é que sejam confirmadas na segunda instância, mas incertas nas instâncias brasilienses.

Se Cerveró foi o destinatário final de parte da comissão, como propina por viabilizar a contratação dos navios sonda pelos fornecedores intermediados por Julio Camargo, Fernando Baiano seria mais um intermediário, sendo os destinatários finais políticos do PMDB. Como Fernando Baiano não confessou, não indicou os nomes, não disse para que contas mandou, o percurso do dinheiro das suas contas foram rastreadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, mas várias omissões ou interrupções. A PGR não conseguiu identificar as contas, mas fez a denúncia, com base em indícios.

Dois episódios de cobrança de pagamentos atrasados indicaram que o político ou um dos políticos beneficiários da propina seria o Deputado Eduardo Cunha, então líder da bancada do PMDB e, posteriormente, Presidente da Câmara dos Deputados. Cargo que ocupa atualmente.

Ele teria cobrado os atrasos e com isso se identificado perante Julio Camargo ser o destinatário final.

Isso permite tirar várias ilações, mas não comprovações.

E interpretações equivocadas. 

A primeira avaliação para entendimento dos comportamentos é se cobrou e recebeu as propinas para enriquecimento próprio ou para financiamento das suas campanhas. 

No caso de Fernando Collor o objetivo evidente foi o enriquecimento pessoal, comprovado pela frota de carros de luxo.

No caso de Eduardo Cunha, não apareceram indícios nesse sentido. Essa condição é fundamental para a manutenção ou retirado do apoio dos seus adeptos e também para entender os processos.

Houve uma clara e comprovada doação de Julio Camargo a igrejas evangélicas ligadas a Eduardo Cunha. Sem razões religiosas. Os valores em relação ao valor das propinas investigadas é "troco".

Se o objetivo de Eduardo Cunha era enriquecimento pessoal, as igrejas teriam sido "laranjas" para transferir o dinheiro para Cunha, como supõe o Ministério Público.

Se o objetivo foi estritamente político o dinheiro foi encaminhado às igrejas para financiar materiais ou outras ações para assegurar os votos dos fiéis e seus familiares. Poderá dar margem a ações junto à Justiça Eleitoral para revogar a sua eleição por abuso de poder econômico, fraude eleitoral e outros crimes eleitorais. O problema é que ele não seria o primeiro da fila, mas ficaria atrás de todos os petistas que foram financiados direta ou indiretamente com doações das empreiteiras investigadas pela Operação Lava-Jato.

As ilações do Procurador Geral não tem suficiente consistência e são frágeis juridicamente. Mas ele confia em decisões mais políticas do que jurídicas, baseadas no apoio popular e no domínio do fato. 

Um problema adicional está no protagonismo político de Janot que, diferentemente do Juiz Sérgio Moro desenvolve uma ação política. Teria ele alguma pretensão política?











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