"Pedaladas" orçamentárias

Estudei e me formei em Administração Pública, pela primeira escola da matéria, criada e gerida pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro: a Escola Brasileira de Administração Pública - EBAP.

Na ocasião entre as matérias de maior interesse eram planejamento, orçamento e finanças públicas. Essas me valeram o primeiro emprego. Voltei a São Paulo, para ser técnico (hoje seria analista) do Grupo de Planejamento que monitorava o Plano de Ação do Governo Carvalho Pinto, o primeiro Orçamento Plurianual de Investimentos, hoje consagrado pela Constituição de 88 como PPA - Plano Plurianual, e tornado obrigatório.

Participei da tramitação do projeto de lei que foi transformada na lei 4.320/64  que hà mais de 50 anos regula a Contabilidade Pública e as normas orçamentárias.

Coordenei a elaboração de diversas propostas orçamentárias e introduzi a distinção entre despesas obrigatórias e não obrigatórias. Para indignação e frustração do Governador. Ele tinha um enorme orçamento pela frente, mas o seu poder discricionário, se limitava a uma parcela ínfima.

Tentei, sem sucesso, introduzir o conceito de orçamento zero para as despesas não obrigatórias ou discricionárias.

Fiz manobras orçamentárias que hoje seriam consideradas "pedaladas" orçamentárias. Para conter as despesas, dividi o ano em 5 trimestres. 

Introduzi, pela primeira vez, no projeto de lei orçamentária, um dispositivo, aprovado pela Assembléia Legislativa, de autorização e limitação de remanejamento de verbas, mediante créditos suplementares, estabelecidos por decreto, ou seja, sem nova autorização legislativa. O Governo foi acusado de pedir ao Legislativo um "cheque em branco". Apesar da oposição foi aprovado e passou a ser norma nas leis orçamentárias. 

Foi com base nesse mecanismo que a segunda gestão Dilma, aplicou a "pedalada orçamentária", que agora deu origem ao processo de impeachment.

Consegui implantar em São Paulo, com o irrestrito apoio do então Secretário da Fazenda, Dr.  Luís Arrobas Martins, o  Orçamento Programa, que se tornou o padrão orçamentário nacional, infelizmente inteiramente tomado pela burocracia. As leis orçamentárias se tornaram tão complexas que ninguém mais sabe compreender ou apreender. Afastei-me do tema, permanecendo apenas como observador distante.

Mas os conceitos básicos do processo orçamentário foram mantidos, desde que foram criados hà muitos séculos atrás.

O Poder Executivo é quem arrecada e gasta, mas sempre precedido por autorização do Poder Legislativo.

Gastar sem a autorização do Legislativo, ainda que um centavo, é crime de responsabilidade. 

Os regime políticos modernos se baseiam na divisão de Poderes e a extrapolação de suas atribuições é uma irregularidade e ameaça ao bom funcionamento da nação.

A autorização de gastos é feita mediante aprovação da Lei Orçamentária, com base em proposta encaminhada pelo Executivo e ajustada ou alterada mediante emendas dos parlamentares.

Ao longo do exercício orçamentário - que obedece ao calendário oficial - a lei orçamentária pode ser ajustada mediante créditos adicionais: os créditos especiais que precisam de autorização legislativa e créditos suplementares que não exigem essa autorização legislativa.

Os créditos especiais são requeridos para despesas não previstas na lei orçamentária, por diversas razões.

Os créditos suplementares complementam dotações existentes, cuja previsão - e consequente autorização legislativa - são consideradas insuficientes para as necessidades e que seriam supridas mediante remanejamento de verbas.

Com a criação da figura do superávit primário, oficializado na Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO, verbas contingenciadas ou reservadas para alcançar o superavit primário, não servem como recursos para os créditos suplementares. Devem ser supridos por créditos especiais, com autorização do Legislativo.

Os Governos usaram a abusaram das Medidas Provisórias para abrir crédito especiais. 

Os créditos suplementares também foram amplamente utilizados, mas dentro das regras, uma vez que não comprometeram as metas do superavit primário estabelecidas na LDO.

Mas em 2014 a meta do superavit primário foi se tornando inviável diante dos excessos de gastos. Era preciso que o Legislativo alterasse a meta para que o Executivo não incorresse em crime de responsabilidade fiscal. O que foi alcançado "ao apagar das luzes" de 2014.

Para não interromper os gastos, o Governo recorreu aos falsos créditos suplementares, antecipando-se à perspectivas de alteração da meta de superávit fiscal.

O TCU considerou esses créditos suplementares como irregulares. Como manobras orçamentárias para driblar as regras. Dai a mídia tê-la caracterizadas como "pedaladas fiscais".

O Governo reconheceu a sua prática, a defendeu com o argumento de que "todo mundo fez"  e faz. Que sem isso a administração e os serviços públicos param. Mas comprometeu-se a não continuar fazendo, antecipando a aprovação da alteração da meta de superávit ou déficit primário.

Ocorre que, antes da decisão de não continuar fazendo, já tinha feito, ao final do primeiro semestre de 2015.

Esse foi um  dos pontos levantados no pedido de impeachment pelos juristas e o aceito pelo Presidente da Câmara dos Deputados para dar início ao processo no Congresso.

A configuração do crime de responsabilidade fiscal é clara e irrefutável. O argumento de que todo mundo, faz não elimina o crime. O de que sem esses instrumentos a administração pública é uma confissão de incompetência e falta de planejamento. 

Mas o que vai prevalecer é o julgamento político.













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