Ilusões com impactos reais

O "caso" Porto Sul, um terminal portuário de minério de ferro, em Ilhéus na Bahia ilustra bem como uma ilusão, bem montada por interesses econômicos espúrios tem impactos reais sobre a vida de pessoas e do meio ambiente.

A ilusão foi montada sobre a "bolha mineral" que levou a cotação do minério de ferro, no mercado internacional a mais de 180 dólares à tonelada, gerando a sensação de que minas com baixo teor de minério de ferro, seriam viáveis e rentáveis.

Ademais, para que a exploração da mina fosse viável seria necessário construir uma ferrovia, com alta capacidade de transporte, ligando a mina ao porto de embarque do minério.

Foi então montado um empreendimento integrado de parceria público-privada em que a mineradora investiria na mina e no terminal portuário, o Governo Federal construiria a ferrovia e o Governo Estadual proporcionaria as facilidades imobiliárias e de licenciamentos para a  implantação do terminal.

O empreendedor privado, uma espécie de Eike Batista cazakistanês, promoveu uma montagem típica da época da bolha financeira, buscando oferecer aos investidores ingleses e outros, um excepcional negócio, uma grande oportunidade de aumentar o valor dos seus ativos monetários. 

O empreendedor investe milhões de dolares no anteprojeto de engenharia, com as correspondentes maquetes (físicas e virtuais), na criação da imagem para o convencimento da sociedade e das autoridades. 

Com esse investimento inicial o seu objetivo é captar no mercado financeiro, bilhões de dólares, euros ou libras para financiar a implantação do empreendimento. 

Desde que foi lançado o projeto do terminal, denominado Porto Sul, difundido através do jornal Valor Econômico, acompanhei de longe, sem entrar em detalhes, mas absolutamente cético, por um detalhe, sobre o qual não me aprofundei. Porque a Vale não se interessou pelo projeto? Sem a presença da Vale nenhum projeto de mineração de ferro, no Brasil, é economicamente viável. Por razões da estratégia de cartel das mineradoras do qual a Vale é uma das principais, se não a principal.

O empreendimento do Porto Sul foi sempre combatido pelos movimentos ambientalistas, em função dos impacto sobre a mata atlântica, contrapondo-se ao benefícios que prometem a redenção da região de Ilheus. Próspera no passado e decadente com a crise da "vassoura da bruxa" que dizimou os cacaueiros da região.

Com a mudança das condições do mercado de minério de ferro, com a China contendo o seu crescimento explosivo e moderando os seus programas de investimento na infraestrutura, as cotações do minério de ferro desabaram chegando a ficar abaixo de 50 dólares por toneladas. Recentemente houve uma pequena recuperação, mas a perspectiva é que a bolha mineral não se repita neste século.

O empreendimento "micou" e os empreendedores da ENR suspenderam os investimentos e perderam interesse, para não ampliar os seus prejuízos. Não há mais condição de um IPO na Bolsa de Londres, como eles pretendiam. Estão até mesmo enfrentando processos nessa bolsa. A "jogada" pretendida pela ENR não deu certo, e eles não estão dispostos a continuar. 

Para entender a jogada, o objetivo da ENR, não era explorar uma mina e um terminal portuário, mas "montar um projeto" aplicando um capital inicial, e atrair investidores pelo lançamento de ações e obter o retorno daquele capital. Buscando, se possível, vender a sua parte para sair para novos projetos, repetindo o mesmo modelo.

Diante da desistência dos cazaquistaneses o Governo da Bahia tenta salvar o empreendimento, seduzido ou iludido por uma perspectiva de interesse chinês pelo empreendimento. 

O Governador da Bahia foi à China mostrar o empreendimento e voltou alardeando acordos que pouco valem. Não passam de pré-intenções, ou, oficialmente, protocolos de entendimento. Significa apenas o interesse em examinar o empreendimento, o que pode gerar viagens dos chineses ao Brasil.  Qualquer aprofundamento nos estudos irá demonstrar a sua inexequibilidade, a menos de ampla participação estatal o que a médio prazo é inviável.

No entanto, a excursão do Governador dá uma sobrevida à ilusão da concretização do Porto Sul. Gerando impactos reais, sociais e ambientais.

Os ambientalistas se colocam contra o empreendimento do Porto Sul, o que - ao meu ver - é uma estratégia equivocada. Colocar-se contra uma ilusão que embala a esperança de grande parte, se não a maioria da sociedade de Ilhéus, não ajudar a conquistar adesões ao seu movimento.

O projeto foi vendido como a redenção de Ilhéus, depois da crise do cacau e a  sociedade ilheuense, na sua maioria estaria a favor do empreendimento, acreditando na sua efetivação e nos seus impactos positivos.

Não é preciso ser contra para impedir a sua concretização, porque o empreendimento Porto Sul está irremediavelmente comprometido pelas novas circunstâncias do mercado mundial da siderurgia, com reflexos sobre o mercado da mineração.

O empreendimento não vai se efetivar por si só.

A ENR do Cazaquistão já abandonou o empreendimento, mantendo apenas negociadores que consigam vender a Bahia Mineração.

Os chineses interessados virão, apreciação e desistirão de comprar e operar a mina. Sem minério de ferro para embarcar o Porto é inútil. 

Só está mantido pelas "estacas" do Governo Estadual, para sustentar as ilusões. 

Desmascarar as ilusões gera também frustrações e contrariedades. Mas é menos grave do que se opor ao projeto.

Os ambientalistas tem que manter o seu movimento e a sua luta, porque apesar do empreendimento não ter perspectiva de efetivação a ilusão gera ações reais, principalmente as invasões de áreas e a supressão vegetal. 

 Não basta desfazer as ilusões e fazer ruir os sonhos de redenção de Ilhéus. É preciso oferecer à sociedade, opções que promovam a revitalização da economia de Ilhéus iguais ou superiores ao do Porto, assegurando a preservação da mata atlântica. 

Essas existem e vamos analisar em outro artigo. 

 


 
 

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