Partidarização cada vez mais ampla

O ambiente de confronto partidário é crescente conformando uma ampla crise política. O que, como sempre, tem vantagens e desvantagens.
No processo político não há crise quando há hegemonia e uma parte se superpõe acima da outra ou das demais, dominando o poder e o pensamento da sociedade. Esta, na sua maior parte fica dominada e aceita passivamente a hegemonia do pensamento e grupo dominante.

A crise ocorre quando há um equilíbrio de forças e o Governo, com o seu partido ou base aliada, não consegue se impor hegemônicamente e enfrenta forte reação da oposição ou de outras partes.

Crise política ocorre quando a disputa é equilibrada e prolongada. As disputas que são usuais no campo da política específica - a que ocorre nas instituições políticas, como a Presidência e o Congresso - e se espalham por toda as demais instituições, contaminando grande parte, senão a totalidade da sociedade.

Estamos em 2016 diante da maior crise política brasileira. Tem antecedentes recentes com o regime militar e sua contestação. Os militares assumiram o controle do pais em 1964, por um balanço de forças. Tiverem sempre a contestação de pequenos grupos, alguns pacíficos e outros não tanto. Ao perceberem a perda de capacidade de gerir a economia, renunciaram ao poder, dentro de ritos constitucionais e republicanos. Não geraram ampla crise política.

No período subsequente a oligarquia política não conseguiu impor a hegemonia, também por não ter conseguido "domar o dragão da inflação" e deu margem à eleição de um "outsider", indicando que a sociedade queria uma renovação, um outro perfil político. O projeto nacional era de acabar com a corrupção e os privilégios de castas políticas: os ditos marajás.

A sociedade foi traída, o eleito foi flagrado como tão ou mais corrupto que os seus antecessores e colegas do quadro político. Isso levou a opinião publicada às ruas em grande manifestações da classe média, resultando no seu impeachment.Também não houve grande crise política porque rapidamente o Presidente foi destituido, em processo pacífico.

Emergiu um novo pensamento nacional, tornando hegemônico, inteiramente voltado à estabilidade monetária, instrumentado pelo ajuste fiscal, seja pela contenção de despesas públicas, pelo aumento da carga tributária, pela redução da interferência do Estado na economia  e pela contenção dos gastos sociais. 

Supostamente consolidada a estabilidade monetária, ou seja, controlada a inflação, esse pensamento ou visão foi perdendo  apoio popular, levando à sua substituição de uma visão alternativa de maior participação estatal para reduzir as desigualdades sociais. Mas para ser eleito Lula teve que se comprometer em manter as política de estabilização monetária.

A eleição foi reforçada por um ingrediente essencial: o combate à corrupção e o restabelecimento da ética na política. Mais uma vez emergiu uma nova força, renovadora, prometendo combater as mazelas da "velha política".

E mais uma vez a sociedade e os eleitores foram traídos.

Consolidando-se no poder o PT foi afrouxando essa política, para enfatizar os gastos sociais e promover uma grande transformação do país, sintetizando na ampliação de uma classe média consumidora.

Para se manter no poder e efetivar a sua política social passou a incorporar todos os vícios da "velha política".

Essa visão de poder voltado à redução das desigualdade sociais pela ascensão daqueles de menor renda, tornou-se hegemônico e propiciou eleição e reeleições dos candidato do PT, que configurava esse pensamento. Com pequenas contestações e restritas ao meio político, sem contaminar a sociedade. A mobilização popular que o PT promovia, provocando uma reação contrária de mobilização, mas muito menor, foi se desmilinguindo. Para isso também contribuiram as restriões aos comícios e eventos presenciais, com as campanhas concentradas na televisão. O povo foi se alienando das disputas partidárias.

Ainda que em processo de decadência, com a hegemonia contestada, pelos efeitos colaterais negativos dessa política predominante social, foi sustentada pelo marketing político, assegurando mais um mandato ao PT. Dilma venceu o pleito de 2014, com uma pequena margem, com a economia já estagnada, mas pouco percebida.

A Presidente teve que dar uma guinada na sua política econômica e aceitar em promover o ajuste fiscal, mas preservando os programas sociais e os benefícios ou direitos dos trabalhadores, ativos e inativos. Teve e tem que enfrentar oposição dos adversários e mesmo a contestação dos aliados. Não teve êxito e a economia brasileira passou de uma estagnação para a recessão.

O evidenciamento de que a par de um projeto social de amplo espectro e bem sucedido, o partido hegemônico, com apoio dos seus aliados, havia aparelhado o Estado para organizar e operar o maior esquema de corrupção já montando no país e quiçá no mundo, gerou um movimento crescente de contestação pela sociedade, ampliando a sua participação e provocando um grande cisma. 

De um lado estão os que contestam o Governo e o seu partido, exigindo a saída da Presidente de República, pelos meios legais, agora reforçado pela reivindicação de prisão do ex-Presidente Lula, considerado o chefe-mor do esquema de corrupção montado nos seus governos e prosseguido pela Presidente atual, no seu primeiro mandato.

Com adesão crescente levaram, sem uma liderança institucionalizada e reconhecida, cerca de 3 milhões de pessoas, predominantemente de classe média, às ruas das grandes cidades. E dos quais, uma pequena parcela voltou às ruas em vigília contra a nomeação do ex-Presidente a Ministro. E elegeram o seu herói, que não é um líder político. Tampouco o mentor das manifestações e formulador das palavras de ordem.

Por outro lado estão os favoráveis ao projeto petista que minimizam e relevam a importância ou significância do esquema corruptivo e defendem ardorosamente o projeto social, as suas realizações creditadas ao ex-Presidente e à Presidente atual, denunciando as investidas dos opositores com um golpe contra a vontade popular e a eleições legais.

Entendem que os "pequenos deslizes" ocorridos na Petrobras não podem obscurecer os grandes avanços ocorridos no Brasil, com a consecução do projeto Lula-Dilma focado no Bolsa-Família, Luz para Todos, correção real do salário mínimo e outros, retirando milhões da miséria e da pobreza e criando um grande contingente de classe média consumidora. Consideram ainda que os delitos ocorridos na Petrobras, que remontam a governos anteriores, são magnificados por interesses partidários e amplificados por uma "mídia golpista" que quer derrubar o Governo. No confronto entre os custos da corrupção que reconhecem mas fazem os descontos e os benefícios sociais, entendem que esses precisam ser preservados a todo custo. E acusam os opositores de quererem acabar com os mesmos, retirando a Presidente e o PT do Governo. E por isso acreditam serem justos todas as medidas de resistência. 

Os ataques de um lado e a resistência de outro geram uma grande divisão dentro da classe média e da opinião publicada, que saem da sua passividade para grandes debates e confrontos. 

Essa divisão envolve não só o meio político, como os demais poderes, incluindo o Ministério Público e o Judiciário, nas suas diversas regiões e instâncias, e a sociedade que se manifesta pela mídia e em manifestações de rua. 


Nunca a vida política esteve tão presente na vida das pessoas.  O que decorre do equilibrio de forças. E vai voltar às suas instituições quando uma das partes voltar a se tornar hegemônico.

O grande momento de participação social será nas eleições de 2018, quando a sociedade organizada, formada predominantemente pela classe média, fará a sua escolha. Mas o resultado das eleições dependerá dos votos dos mais pobres que ainda não estão mobilizados, apesar os esforços dos movimentos sociais. Aqueles correspondem a maioria do eleitorado e com os seus votos definirão quem será eleito. 

Sondagens eleitorais indicam também a elevada rejeição desse segmento ao Governo e a inaceitação das praticas corruptivas. Mas segue ainda um grande contingente de defesores. 

Perderam a hegemonia, mas sairam de campo e continuam resistindo e batalhando.    


 

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