Os equívocos e ilusões que povoam os programas de concessão

Com a escassez de recursos públicos, os Governos - em todos os níveis - se "agarram" nas concessões de serviços públicos ao setor privado, na esperança ou expectativa que o setor privado faça os investimentos necessários e ainda contribua com aportes financeiros para reforçar os cofres dos respectivos Tesouros.
Apesar da mudança na Presidência, as equipes do novo Governo mantém muitos dos paradigmas que inviabilizaram as concessões anteriores. 
O primeiro é que os serviços públicos a serem concedidos são excepcionais negócios em que há um grande interesse privado em assumir o negócio, levando a acirrada concorrência com ofertas elevadas. 
A exploração de serviços públicos é um bom negócio potencial para agentes privados, mas não excepcional e ainda de alto risco. 
Com relação a esse, o mercado desenvolveu um outro equívoco, promovido por bem sucedido marketing dos escritórios de advocacia. A de que o risco principal é o da segurança jurídica e que - em sendo assegurada, em contrato - todos os problemas futuros seriam resolvidos. O que pode ocorrer, mas não evita que a concessionária possa quebrar no meio do contrato, por ter avaliado mal  o risco econômico ou político.  A segurança jurídica é essencial, dentro de condições de razoável normalidade da execução do contrato. E as condições anormais  ocorreram recentemente, trazendo graves problemas aos contratos de concessão existentes. 

O maior equívoco, já apontado aqui é entender as concessões como forma alternativa de contração de obra pública. O erro conceitual, é não entender que concessão é do serviço, precedido de obra.  Ainda é vista como obra, complementada por operação.
A pressa anterior decorria da pressão das grandes empreiteiras para ter continuidade na sua carteira de obras. Com os impedimentos delas, em decorrência da Operação Lava-Jato, não mais existe essa intensa pressão. Ao contrário o Governo enfrenta dificuldades em encontrar novas construtoras nacionais que tenham fôlego econômico-financeiro para assumir as mega-concessões. 

Enquanto mantiver essa visão equivocada de concessão como contratação de obra, ao final do processo licitatório corre o risco de tê-lo vazio.

Outro equívoco é confundir necessidade, ou déficit, com demanda. A infraestrutura logística é deficiente. Logo, seria uma demanda, o que é um engano. Falta saneamento, então concessão de saneamento seria um bom negócio. Ilusão, vendida pelos agentes do setor aos quais interessa a realização dos investimentos, usando argumentos sociais e sanitários. Só falta "combinar com os russos". No caso, os usuários. A maioria quer o tratamento de esgotos, mas não está disposta a pagar o custo desse. O déficit só se transforma em demanda, quando o preço de sua eliminação tem um custo menor que o benefício. Custo é objetivo, beneficio é um fator subjetivo: sujeito a interpretações emocionais. 

O Governo, supostamente pró-mercado quer mostrar serviço e para isso quer fazer das concessões um vitrine. Mas corre o risco de ter uma vidraça, a ser quebrada.

A insistência em manter a prioridade da concessão dos aeroportos, tem esse sentido de demonstração. Não há nenhuma urgência na efetivação das concessões dos aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza. 

E ainda há o risco cambial. Com a redução da participação do BNDES e os elevados custos e menor prazo dos financiamentos nacionais, a expectativa é do ingresso de recursos externos. 

Parte-se mais uma vez de ilusões. A geral é de que existe uma grande liquidez mundial, com excesso de capitais, todos interessados em bons projetos para investir. E, em particular, os chineses estão ávidos para investir na infraestrutura brasileira.

A visão geral é verdadeira, mas isso não significa que - na prática - esses capitais externos vão investir em projetos no Brasil. O principal obstáculo é o risco cambial. Eles querem investir em dólar e receber em dólar. 

Podem ser criados diversos mecanismos derivados para minimizar os riscos. O mais objetivo é assegurar que a receita - ou parte dela - das concessões seja denominada em dólar, ou qualquer outra moeda forte. 

Essa condição só é viável para concessões que estejam relacionadas com exportações. 

Se o usuário do serviço concedido recebe em dólar, pode pagar em dólar.

Se o usuário do aeroporto é um turista estrangeiro, pode pagar as taxas em dólar. Se for um nacional, não. Concessão de aeroporto para atender melhor o usuário nacional não é um bom projeto para o investidor estrangeiro, mesmo sendo chinês. 




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