Agricultura familiar x patronal (2)

O Censo Agrícola  de 2006, o último já publicado, é  que tem informações mais completas e consolidadas sobre a agropecuária, com separação entre a agricultura familiar e a não familiar.

A partir dos mesmos dados, o Governo e os defensores da agricultura familiar, afirmam que essa atende 70% do consumo alimentar brasileiro. Essa se espalhou até internacionalmente e tem sido aceita como verdade. Poucos contestaram. Apesar de parecer superestimada.

Analisamos, mediante tabulações diferenciadas e estabelecimento de categorias, segundo destinação dos produtos, a lista  dos principais produtos agropecuários, embora essa seja parcial, com algumas ausências significativas. Não há o valor do abate de bovinos, o principal item da pecuária. Na agricultura faltam a cana de açúcar e a laranja, dois produtos principais da pauta de exportações do agronegócio.

Tabela - 


Variáveis selecionadas Agricultura familiar - Lei 11. 326 Não familiar Total % Agric familiar
Soja   2 891 786 309   14 249 698 227   17 141 484 536 16,87%
Café arábica em grão (verde)   2 231 728 778   5 124 878 374   7 356 607 152 30,34%
Café canephora (robusta, conilon) em grão (verde)    624 106 515    586 220 783   1 210 327 298 51,57%
Predominantemente para o exterior   5 747 621 602   19 960 797 384   25 708 418 986 22,36%
Milho em grão   5 344 665 578   6 017 976 565   11 362 642 143 47,04%
Trigo    187 652 912    716 790 517    904 443 429 20,75%
Leite de vaca   4 975 619 521   3 841 916 092   8 817 535 613 56,43%
Aves    711 120 558   3 457 394 828   4 168 515 386 17,06%
Suínos   1 540 662 677   1 482 098 204   3 022 760 881 50,97%
destino industrial   12 759 721 246   15 516 176 206   28 275 897 452 45,13%
Arroz em casca   1 414 740 013   2 615 404 728   4 030 144 741 35,10%
Feijão preto    378 617 041    116 504 973    495 122 014 76,47%
Feijão de cor    557 814 212    508 988 359   1 066 802 571 52,29%
Feijão fradinho    780 120 429    156 704 791    936 825 220 83,27%
Mandioca   3 254 035 260    432 596 260   3 686 631 520 88,27%
Leite de cabra    29 355 274    15 668 691    45 023 965 65,20%
Mercado interno   6 414 682 229   3 845 867 802   10 260 550 031 62,52%
Total   24 922 025 077   39 322 841 392   64 244 866 469 38,79%


Variáveis selecionadas Agricultura familiar - Lei 11. 326 Não familiar Total
Soja 11,60% 36,24% 26,68%
Café arábica em grão (verde) 8,95% 13,03% 11,45%
Café canephora (robusta, conilon) em grão (verde) 2,50% 1,49% 1,88%
Predominantemente para o exterior 23,06% 50,76% 40,02%
Milho em grão 21,45% 15,30% 17,69%
Trigo 0,75% 1,82% 1,41%
Leite de vaca 19,96% 9,77% 13,72%
Aves 2,85% 8,79% 6,49%
Suínos 6,18% 3,77% 4,71%
destino industrial 51,20% 39,46% 44,01%
Arroz em casca 5,68% 6,65% 6,27%
Feijão preto 1,52% 0,30% 0,77%
Feijão de cor 2,24% 1,29% 1,66%
Feijão fradinho 3,13% 0,40% 1,46%
Mandioca 13,06% 1,10% 5,74%
Leite de cabra 0,12% 0,04% 0,07%
Mercado interno 25,74% 9,78% 15,97%
Total 100,00% 100,00% 100,00%

O mais importante é a soja em grãos,  que representa 26,68% do total dos produtos selecionados, mas com grande diferença entre a agricultura familiar (11,60%) e a não familiar (36,24%).

Apesar da produção da soja ter mudado de escala de produção, com a sua migração para o centro-oeste e centro-nordeste, adotando a estrutura patronal, as produções tradicionais no sul do Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul, ainda é feita por pequenos produtores, parte deles ainda familiar. O Paraná evoluiu mais para a produção patronal, com unidades maiores e reunidos em cooperativas. 

A participação da agricultura familiar na produção de soja, (16,87%) em 2006  indica uma resistência daquela, contra as novas estruturas patronais, embora essa tenha sido realizada no centro-oeste e no centro-nordeste por fazendeiros gauchos, em decorrência de tradições familiares*. 

O principal fator que levou à mudança de escala de produção e a migração da pequena propriedade, sob gestão familiar, para novas regiões produtivas, em grandes propriedades foi o preço relativo de preços das terras. 

* Nas propriedade familiares, de origem alemã, essas não são divididas quando o patriarca deixa o comando ou falece. O único herdeiro é o filho mais velho que, tem a responsabilidade de cuidar da propriedade e da viúva. Os irmãos mais novos, recebem parte em dinheiro e tem que buscar novas propriedades. Com as dificuldades no sul, buscaram alternativas em outras áreas e as encontraram no cerrado, onde as terras eram planas e preços muito inferiores aos do sul, permitindo a compra de grandes extensões de terras.


Os produtos selecionados destinados à exportação, representaram 40% do valor da produção agropecuária, porém apenas 21% do valor da agricultura familiar, em 2006. A estimativa é que esse percentual tenha ainda reduzido mais em 2017. 

O volume de investimentos para obtenção de produtividade e qualidade dos produtos exportáveis, vem reduzindo a capacidade competitiva da produção familiar desses produtos.

Os produtos agropecuários adquiridos predominantemente pelas indústrias, para o seu processamento podem estar vinculados a sistemas integrados ou abertos. 

Nos sistemas integrados que prevalece na produção de aves e também de suinos, o comprador industrial fornece os insumos, a assistência técnica aos pequenos produtores, em contrapartida da entrega dos produtos engordados. 

Os sistemas abertos acabam tendo restrições, em função dos custos logísticos, com os produtores sendo obrigados a vender para as indústrias próximas. 

Apesar da pressão e dependência dos compradores industriais, as pequenas empresas do setor tem crescido, puxados pela ampliação das vendas dessas indústrias, principalmente no mercado externo.

Na produção do milho há ainda uma grande participação da agricultura familiar. Em 2006 a participação da agricultura familiar alcançou 47% do total. E o milho representou 21,4% do total da agricultura familiar nos produtos selecionados. 

Outro produto com grande participação da agricultura familiar é o leite de vaca. Os produtores entregam a sua produção aos processadores que podem ser grandes empresas - na maior parte multinacionais - ou cooperativas dos produtores. 

As cooperativas de laticinios que dominavam o mercado brasileiro, por problemas de gestão acabaram perdendo mercado para as grandes empresas. 

Uma questão crítica é avaliar se a competitividade dessas  indústrias decorre da compressão de preços nas compras dos produtores e o quanto essa compressão pode inviabilizar a manutenção e crescimento das pequenas propriedades?

No caso dos lácteos, acima citados, a pequena produção pode evoluir para portes maiores ou estará condenado ao seu porte e baixa renda, por limitações de investimentos e tecnologia?

Estará a agricultura familiar pobre  fadada à extinção, com as pessoas sobrevivindo dos programas sociais e da migração para as cidades.


A produção da agricultura familiar destinada às indústrias representou em 2006, 51% dos produtos selecionados. Somando aos destinados à exportação, somaram cerca de 3/4 da produção. Restaram apenas 1/4 da produção da agricultura familiar para a venda "in natura" ou beneficiado para o mercado interno.

O que desmentiria a visão geral de que a agricultura familiar está inteiramente voltada ao mercado interno, contrapondo-se à agricultura patronal, que estaria voltada para as exportações e para a industria. 

(cont)




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