A perda de apoio da classe média emergente

O PT cresceu pela conquista de dois segmentos eleitorais interligados: os diretamente beneficiados pelos programas sociais e a classe média emergente.

O primeiro, ainda manteve alguma fidelidade, garantindo a eleição de Prefeitos do PT nos grotões. O segundo teria abandonado o PT frustrado com a regressão econômica e social ocorrida, na vida de cada um.

A chamada classe média emergente é formada - basicamente - por dois subsegmentos: os comerciantes e prestadores de serviços que  prosperaram vendendo produtos ou serviços aos beneficiários dos programas sociais. Por isso grande parte emergiu das comunidades pobres atendidas pelo Bolsa Família e outros. Os programas sociais inseriram os miseráveis dentro da pobreza, com capacidade de consumo e os intermediários se beneficiaram. Esses não foram as grandes empresas, mas pequenos comerciantes, de alimentos e remédios. Prestadores de serviços como cabelereiras, moto-taxistas, babás, cuidadoras de idosos e outras. Pobres, passaram a ter maior renda e o Governo os passou a considerar como classe média emergente. Esse grupo não teria sofrido grandes abalos, uma vez que o Bolsa Família e outros programas sociais foram mantidos, com pequenos ajustes, decorrentes de expurgos de situações ilegais. Mas deixaram de ganhar, com a retração do consumo dos beneficiários dos programas sociais. Eles, com receio do futuro e notícias de que o novo Governo iria suspender ou acabar com os programas, teriam contido o seu consumo, mesmo em itens essenciais. Voltaram ao seu passado de restrições.

O outro subsegmento é dos trabalhadores urbanos, principalmente, das grandes cidades favorecido pelo sucessivo aumento de empregos formais, da valorização do salário mínimo e das facilidades de crédito. Com a melhoria dos salários e continuidade de recebimentos passaram a consumir produtos anteriormente inacessíveis, por falta de renda. Alguns foram simbólicos e muito alardeados pelo Governo, como as viagens de avião e o acesso às faculdades. Esse foi ainda facilitado pelo Fies e outros programas de apoio financeiro a estudantes pobres. A crise econômica geral, afetando o nível de empregos, os "abateu em pleno vôo".

Notícias publicadas no Jornal Valor, ao longo de 2016 retratam essa regressão da classe média emergente:
  • Crise devolve quase 4 milhões às classes D e E (9,10 e 11 de janeiro de 2016);
  • Desemprego corrói conquistas da "era de ouro" do consumo (6 de abril de 2016);
  • Recessão adia sonho da universidade para jovens da favela de Paraisópolis (16,17 e 18 de junho de 2016).

Essas pessoas que perderam um sonho prometido, algumas das quais viram o sonho virar pesadelo de dívidas, frustradas e revoltadas teriam votado maciçamente contra o PT: movidas pelo sentimento de traição.

No seu imaginário viram os seus sonhos desabarem em função da roubalheira. Alguns não só se sentiram traídos pelo PT, por Lula e Dilma, mas usados para justificarem a roubalheira.

Não votaram em outros partidos porque esses apresentaram propostas melhores ou diferentes. Mas votaram contra o PT, disseminando o seu voto por diversos partidos. Alguns nem foram votar. Não houve herdeiros preferencias dos votos perdidos pelo PT. Os herdeiros não foram apenas os partidos e candidatos de esquerda. Embora faltem dados para uma análise mais percuciente, aparentemente os evangélicos se beneficiaram daqueles votos perdidos pelo PT.

Sendo um voto contra, um voto negativo, será muito difícil ao PT reconquistá-lo.

De um lado precisaria convencer ao rebanho desgarrado de que não houve roubalheira. Todas as contribuições dos grandes empreiteiros foram legais e destinadas ao partidos. São procedimentos usuais e legais. Se alguém se beneficiou pessoalmente, foi exceção. O que está acontecendo é uma criminalização desses procedimentos, no contexto de uma conspiração internacional com o objetivo de aniquilar as esquerdas e fazer prevalecer uma direita conservadora e retrógrada. E o principal alvo é Lula, para evitar que ele volte em 2018, "nos braços do povo".

Verdade ou não, o PT não conseguiu convencer o eleitor da classe média emergente em 2016. Terá condições de convencer até 2018? É difícil essa tarefa diante de sucessivas apurações e evidenciamento dos "mal feitos". O argumento é que as investigações estão sendo direcionadas para atingir apenas o PT, livrando os demais. As novas fases da Operação Lava-Jato, com a prisão de dois ex-Governadores do Rio de Janeiro, ambos não petistas, desmentiriam essa "perseguição" ao partido.

Uma posição defendida por facções do PT é que o partido peça desculpas ao seu eleitorado e à toda sociedade brasileira, e retome as propostas de maior igualdade e justiça social que estariam sendo desprezadas ou contrariadas pelo novo Governo. Não é uma posição unânime, tendo a oposição da direção atual do partido. Esse mantém o discurso de que o partido não errou e que as acusações não passam de uma conspiração internacional de direita: da elite capitalista, dos rentistas.

Lula vai além na sua mensagem: a oposição é da "zelite" que não tolerou o avanço dos pobres, concorrendo com eles nas poltronas dos aviões, nas faculdades, nos restaurantes e outros locais que ela acha serem delas. Por isso ela (a elite) quer que os pobres "voltem aos seus lugares". Aliás "de onde nunca deveriam ter saído". Lula incentiva o preconceito ou o anti-preconceito, buscando mobilizá-los para uma retomada dos "sonhos", conduzida por um novo governo do PT, com ele na cabeça.

As eleições de 2016 indicaram que a nova classe média, agora submergente, não votou no PT, decepcionada com a sua situação real e com o seu futuro. Mas, politicamente, ninguém ocupou o espaço perdido pelo PT, de forma propositiva. Em política não há espaços vazios durante muito tempo. Alguém vai ocupar e o PT está tentando reocupar. Antes que os beneficiários eventuais ocupem definitivamente. Esses foram diferentes no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. No Rio de Janeiro, Crivella, um político de carreira - com várias eleições perdidas - afinal conseguiu vencer a Prefeitura, com o apoio do eleitorado evangélico que incorpora parte dessa nova classe média. Em São Paulo e em Belo Horizonte ela teria escolhido candidatos que prometiam simplesmente "não roubar".

Para 2018 a perspectiva de embate principal seria entre:
  1. O PT, com Lula na cabeça, convencendo (ou tentando convencer) esse eleitorado da "nova classe média" de que ela está sendo vítima de uma conspiração da "zelite", com apoio internacional, que não os quer concorrendo nas poltronas dos aviões, nos shopping centers, nas universidades, nos restaurantes estrelados e outros locais. E que só com o retorno do PT no poder o "sonho será retomado";
  2. O PT apoiando um candidato que retome os programas sociais, com pleno vigor, desvinculado da "roubalheira". Esse não poderá estar relacionado nas "listas" da Operação Lava-Jato;
  3. um eventual candidato da situação atual (PMDB + PSDB) que não tenha "ficha suja", do ponto de vista da imagem pública, o que elimina todos os pré-candidatos que já ocuparam ou ocupam cargos públicos importantes. Todos guardam "esqueletos no armário" e Sérgio Moro continua "abrindo-os".
  4. um candidato messiânico, capaz de encantar essa nova classe média frustrada, com novos sonhos.
De momento, estamos excluindo a hipótese de que uma forte retomada da economia - em 2017 e 2018 - faça com que essa nova classe média retome, pelas condições macroeconômicas, e não por programas governamentais, a sua ascensão econômica e social. O que poderia alterar significativamente o quadro eleitoral de 2018. Os cenários tendenciais não indicam essa possibilidade. Mas sempre podem ocorrer fatos inusitados, embora nunca ocorram de um momento para outro. A própria surpreendente - para muitos - eleição de Trump foi decorrência de um longo processo histórico.

Como conclusão preliminar à pergunta principal se Lula poderá voltar em 2018, diria que ele não terá tempo - além dos seus percalços pessoais - para reconquistar os votos da nova classe média.

A que o PT prometeu ser emergente se tornou submergente.







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