O contragolpe na calada da noite

No julgamento final do impeachment da agora ex-Presidente Dilma Rousseff funcionou a velha política do conchavo, comandado por Renan Calheiros em parceria com o PT (representado por Jorge Viana) e cumplicidade de Henrique Levandovski.

Até a véspera, o placar de votos certos era de 50 a favor do impeachment e 18 contra, com 13 votos indefinidos. Dos 13, 3 eram dados como certo contra e 10 que estavam negociando o seu voto. Temer já havia entrado na disputa para garantir a sua permanência, então em definitivo, na Presidência, precisando de apenas mais 4. Os defensores do retorno de Dilma, precisavam de mais 7. Pelas contas, com mais 4 Dilma seria afastada e os seus defensores só poderiam ter mais seis. Do lado oposto se os defensores de Dilma conseguissem os 7, os contrários só teriam mais 3, insuficientes para o impedimento.
Esses dez estavam negociando o seu voto, com o PMDB para obter vantagens pessoais ou regionais.
Cada qual, ou cada bancada estadual, como o caso do Maranhão, concordava em negociar mas exigia que o lado garantisse os demais para assegurar a vitória. Ninguém queria ficar com o voto perdedor. Para os favoráveis ao impeachment a tarefa era mais fácil. Para o PT, mais difícil. Eram 4 contra 7, ou contando com a bancada do Maranhão, eram 1 contra 4.

O PT não queria mais a volta de Dilma. A defesa dela estava limitada à sua tropa de choque, mais Kátia de Abreu. Ela então negociou com Renan uma via alternativa: ela seria cassada, perderia o mandato, mas não perderia os direitos políticos. Baseado no Regimento Interno do Senado, que permitia fatiar a votação, deixando de lado um dispositivo constitucional. Ou interpretando-o de forma enviesada.

Para isso era necessário obter a anuência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, exercendo a Presidência da Sessão do Senado. Para isso ele foi convencido a mudar com base da exegese do Regimento.  Deixando a condição de Ministro do STF. Para atender ao PT e a Renan usou uma racionalização: na Presidência do Julgamento adotaria uma posição de Presidente do Senado, atendo-se ao Regimento Interno. Quando e se a matéria chegasse ao Supremo, avaliaria a questão constitucionalmente.

A contrapartida oferecida por Renan foi a aprovação do aumento do Judiciário, fortemente defendido por Henrique, antes da sua saída da Presidência do Supremo. Da mesma forma que José Linhares, que a sociedade nem sabe quem foi, mas ao assumir interinamente a Presidência, dedicou-se a nomear os parentes, sob o argumento de que o cargo seria temporário, mas as relações familiares permanentes.

Henrique Levandowski aceitou o aceno de Renan, a fim de ficar bem com os seus pares. "O Brasil que se dane".

Só não percebeu que o objetivo real de Renan e dos seus adeptos não era o de salvar a suposta sobrevivência econômica de Dilma, mas de abrir um precedente para poder livrar os colegas e ele próprio, da perda dos direitos políticos.

Tampouco percebeu que a manobra de Renan não contava com um apoio seguro dos demais senadores para aprovar o aumento do Judiciário antes do dia 12 de setembro. Renan prometeu colocar em votação no dia 8, assegurando a Henrique a sua aprovação.

Mandou sua assessoria do Senado preparar um arrazoado com base no Regimento Interno, para justificar o fatiamento, que foi absorvido e lido pelo Presidente da sessão.

Montado o novo roteiro, a primeira providência foi adiar a votação final para o dia seguinte. Para que houvesse tempo para Henrique absorver a argumentação preparada por Renan. Para que Jorge Viana convencesse os senadores do PT. Para que Renan negociasse com os indecisos a decisão fatiada, votando a favor da cassação, mas contra a perda dos direitos.

Assim foi encenada a peça, com o novo roteiro, na manhã do dia 31 de agosto,escrita e dirigida por Renan. Ele mesmo votou a favor do impeachment e em seguida, com a Constituição na mão pediu clemência à pessoa da ex-presidenta destituída.

E a coitada da Dilma que nem merendeira de escola pública poderia ser, foi usada para a manobra. Um contragolpe em nome dela, mas para favorecer aqueles que ela combate.

Com o contragolpe ela poderá ser merendeira, desde que passe no concurso público. Mas ela foi meramente a isca para abrir a porteira. Por onde passarão Eduardo Cunha e todos os demais sob risco de perda de mandato.

Agora todo mundo recorreu ao Supremo que terá que decidir sob a ótica constitucional. Com relação aos recursos de Dilma - já esperados - que tenta anular todo o processo, dificilmente terá êxito. Por mais que ela ache e diga que não havia fundamento jurídico para dar início ao processo ficou provado, ao longo de todo o processo, a existência dos atos caracterizados como crime de responsabilidade.

Já com relação à votação final, há três posições possíveis: a anulação da votação, por inteiro, por ter ferido o dispositivo constitucional; o da anulação apenas da segunda votação porque a pena não é desdobrável, sendo ineficaz a segunda votação; e, finalmente, a aceitação das duas votações.

Se essa for aceita estará escancarada a porta para a manutenção dos direitos políticos de quem - eventualmente - venha a perder o mandato. Os acordos políticos serão no sentido de atender aos reclamos da sociedade, numa primeira votação, e ao interesse do condenado, numa segunda votação

Mas o contragolpe, pouco percebido durante a sua execução, foi se tornando claro. As razões principais foram sendo desvendadas e a reação dos senadores insatisfeitos foi imediata. Ingressaram com ações no Supremo Tribunal Federal, com várias contestações. Até mesmo a presidência do PMDB assinou uma delas, provavelmente com o objetivo de demonstrar que o Governo Michel não participou da trama.

Haverá uma nova recomposição de forças, o que já estará sendo negociado, inicialmente, na China ou ao longo da viagem de volta.

Três fatos são certos: Dilma ficará fora do poder. O aumento do Judiciário não será aprovado pelo Senado antes do dia 12 e após esse dia Henrique não será mais o Presidente do STF.





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