quinta-feira, 12 de março de 2015

O "day after"

Na entrevista que o ex-Presidente FHC deu a Eliane Cantanhêde, do Estadão, dá a entender que no processo do impeachment de Fernando Collor, ele e outros líderes políticos da época organizaram antecipadamente o governo de transição. Não disse se o então Vice-Presidente Itamar liderou ou não o processo, mas certamente deve ter concordado com as alianças costuradas para assegurar a governabilidade naquela fase.

As coisas estavam bagunçadas e foi a oportunidade para arrumar a casa, o que redundou no Plano Real e o controle da inflação.

Neste momento em que segmentos da população pedem a saída da Presidente, a conjuntura apresenta substanciais diferenças. As coisas voltaram a ficar desorganizadas, mas não há nenhum consenso em relação a eventual governo Temer e do PMDB.

O povo está saindo às ruas para pedir a saída da Presidenta, sem pensar nas consequências. As lideranças políticas e da sociedade tem a obrigação de pensar no futuro, no "day after", mesmo que isso dê a impressão de conspiração ou golpe.

A oposição, a esta altura dos acontecimentos, gostaria de um impedimento da Presidenta, que perdeu a condição de governabilidade. Mas tem grande medo de uma derrubada dupla o que significaria uma nova eleição direta. O PT estaria pronto para esta alternativa, com Lula como candidato. A oposição, principalmente FHC, não quer correr o risco.

Não gosta da alternativa Temer, mas seria o "mal menor". 

Como tal é preciso desenvolver elucubrações sobre o que poderia ser esse governo Temer e como se posicionar em relação aos cenários hipotéticos, mas possíveis.

A posição do PSDB, parece ser a seguinte: é contra o impeachment, mas a favor do processo para enfraquecer a Presidente, deixá-la num "governo morno", para reduzir a possibilidade da eleição de Lula em 2018. O alvo não é ela, mas Lula.

Mas FHC está em dúvida sobre a força dos movimentos de rua e do impacto desses sobre o congressistas. Eles também não querem o impeachment, mas não pretendem resistir à pressão do povo, ou melhor dos seus eleitores.

Como já nos referimos aqui, as manifestações nas capitais, por maior que sejam, não determinarão a posição da maioria dos congressistas. Irá depender da contaminação dos movimentos chegando às pequenas cidades. Ou seja, nas suas bases eleitorais.

Se o impeachment for inevitável, como agirá o PMDB e como agirão os demais partidos, tanto da base aliada, como da oposição?

O comportamento do PT é o mais previsível. Defenderá a Presidente, se mobilizará contra o impeachment, acusará o PMDB de traição e se esse for inevitável, passará para a oposição a uma eventual Governo Temer. Com uma atuação aguerrida no Congresso e mobilizando os movimentos sociais e sindicais contra. Buscará uma estratégia para enfraquecer o Governo Temer, os espaços da oposição para tentar eleger Lula em 2018.  Lula sairá como o grande líder da oposição, contra o golpe. 

Mas o PT, voltando à oposição, terá um problema que não teve antes. Acostumou-se a fazer campanhas milionárias e não poderá contar com os mesmos volumes de recursos que angariou anteriormente. Todas as empresas doadoras, mesmo legais, ficarão logo sob suspeita. Uma grande parte recusará. Tentará ainda o caixa dois, mas o seu uso também estará sob forte vigilância.

Como ficarão os demais partidos da base aliada atual, que representariam mais do que a metade da composição da Câmara dos Deputados?

Irão se compor com o PMDB, com base no loteamento de cargos dentro da Administração Federal? Poucos acompanhariam o PT indo para a oposição. Os da esquerda mais radical, como o PSOL, sim. Os demais terão duas alternativas: compor-se com o PMDB, na base fisiológica ou com o PSDB, dependendo do posicionamento deste.

O modelo fisiológico está falido, diante de três circunstâncias:


  1. a capacidade de gastos dos Ministérios está tolhido pelo ajuste fiscal. Os Ministros tem que gerenciar a falta, as greves dos funcionários e a irritação do público com a carência dos serviços públicos. Alguns ainda tem a ilusão dos grandes números, mas quando chegam ao Ministério, se deparam com a vinculação quase total das verbas, sem margem para a discricionalidade.
  2. a Operação Lava-Jato tornou demasiadamente arriscada a movimentação "não contabilizada". O rigor e a competência do juiz Sérgio Moro, com respaldo dos seus superiores, mantendo presos donos e executivos de grandes empresas, pode inibir a atração por aquelas operações.
  3. o orçamento impositivo para as emendas parlamentares, que tira o poder do Executivo e das lideranças partidárias para as tradicionais trocas, com o Congresso.

O grande risco do PMDB, na economia, é ser tentado a adotar medidas artificiais como fez Sarney com o Plano Cruzado e também o fizeram FHC - este em pequena escala -  e Dilma, mais recentemente. A história mostra que tais medidas não se sustentam e acabam gerando problemas maiores, além de minar a confiança do mercado.

Ainda dentro do campo das especulações, uma pergunta inicial é, quem seria o eventual Ministro da Fazenda, numa gestão Temer, ou quem comporia a equipe econômica? Dois nomes que estiveram com o Dr. Ulysses hoje estão no PT: Belluzzo e Luciano Coutinho. Sérgio Cabral foi buscar Joaquim Levy, que - como técnico não partidário - poderia até continuar. Mas seria pouco provável,  na eventual ocorrência do impeachment.

A partir da experiência do comando do Governo Brasileiro alternando o PSDB e o PT é possível identificar os contornos do "modo de governar" de um e de outro. O PMDB está fora do Governo hà muito tempo, mas o Governo Sarney pode dar indícios do "modo de governar peemedebista". Este poderia ser tirado, também das gestões peemedebistas no Rio de Janeiro. 

Uma das características é o populismo. Não há um atendimento efetivo da população mais pobre, mas a concessão pontual de benefícios assistenciais para a conquista do voto, sem continuidade. O bolsa família tem as caraterísticas de uma ação populista, mas diferencia-se pela continuidade.

Há muito o que especular sobre um eventual governo Temer e PMDB, mas os indícios da não adesão do PSDB ao movimento é perceber o risco de um governo Temer, com pretensões de continuidade no poder durante longos anos.

Com Temer no poder, as eleições de 2018 não estariam polarizadas entre PSDB e o PT, mas o PMDB estaria com um candidato forte, provavelmente Eduardo Paes. 

(Nota: Escrevi este artigo ainda no dia 10 de março, para publicação durante a semana. Mas acabei "atropelado" pela minha colunista preferida. Publico, agora com pequenas revisões e inclusão das fotos)


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